Animais exóticos e invasores
Durante a história da Terra, animais e plantas dominaram desde pequenos nichos ecológicos a grandes regiões. É natural que a área de ocorrência de determinadas espécies aumente ou diminua com o passar dos anos, podendo avançar inclusive sobre continentes inteiros. Um ótimo exemplo foi quando diversos animais da América do Norte vieram para a América do Sul e vice-versa — tal mudança ficou conhecida como Grande Intercambio das Américas.
Essa rotatividade natural é gradual e pode levar centenas de anos. No entanto, as atividades e movimentações humanas vêm acelerando a introdução de animais exóticos em quase todas as regiões do mundo.1 Tamanha é essa aceleração que é atualmente considerada uma crise global, gerando grandes impactos negativos no equilíbrio ecológico, na sociedade, na cultura e na economia.
Espécie exótica ou introduzida
Uma espécie exótica ou introduzida é uma planta ou animal não nativo da região, uma espécie que naturalmente vive fora de sua atual área de distribuição, mas que ali chegou por atividade humana, intencional ou acidentalmente, direta ou indiretamente.
Uma espécie exótica não é necessariamente uma espécie de outro país, os saguis-de-tufos-brancos e os saguis-de-tufos-pretos , por exemplo, são espécies endêmicas, porém se tornaram exóticas ao habitarem o Sul e no Sudeste do país — quando sua área de distribuição natural é principalmente no Cerrado e na Caatinga2.
Espécie invasora
Uma espécie invasora se diferencia de uma introduzida por causar danos às espécies nativas3 e por se espalhar rapidamente devido à abundância de alimento, e à falta de predadores, competidores dominantes e doenças, rivalizando com espécies nativas por alimento ou espaço. Em alguns casos, uma espécie introduzida, também pode se reproduzir com membros de espécies nativas, produzindo híbridos e levando os espécimes puros à extinção.
O coral-sol , por exemplo, foi acidentalmente introduzido e se tornou invasor por dominar arquipélagos inteiros e acabar com a diversidade regional — principalmente por ser uma espécie extremamente resistente e por não ter predadores naturais.
Sendo assim, espécies invasoras podem causar alterações importantes no ecossistema local, colocando em risco a diversidade, afetando a agricultura, outros recursos naturais usados pelos humanos e a saúde de pessoas e animais.
Animais e plantas invasoras são a segunda maior causa da extinção de espécies na Terra, levando centenas de espécies à extinção e impactando diretamente a biodiversidade, a saúde e a economia4. Até 2019, foram identificadas 365 espécies exóticas potencialmente invasoras no Brasil, sendo 54% composto por animais e 46% por plantas5.
Introdução acidental
Um dos principais causadores da introdução acidental é o comércio transoceânico. Pode ocorrer quando animais como ratos, aracnídeos e insetos são acidentalmente transportados em navios, quando espécies marinhas são libertas fora de sua localidade natural com a água de lastro ou após terem se fixado nos cascos dos navios — como é o caso do coral-sol .
As lagartixas-domésticas também foram introduzidas acidentalmente. Apesar de serem boas controladoras biológicas nas cidades, ajudando a eliminar pragas como mosquitos, baratas e aranhas-marrons , a espécie pode ser considerada invasora por colocar em risco a biodiversidade de certas localidades6.
Muitos animais são trazidos para serem criados apenas em cativeiro como alimento ou para estudo, porém são introduzidos acidentalmente quando escapam para a natureza — podendo trazer diversas consequências.
Um desses casos é o da Apis mellifera a abelha mais comum no Brasil , que veio para o país para ser usada como objeto de estudo de melhoramento genético para aumentar a produção de mel do país. No entanto, após um acidente, as abelhas escaparam e se reproduziram com outra subespécie criando híbridos. Apesar desses híbridos serem os principais e mais populosos produtores de mel do país, são altamente agressivos e competem por alimento com espécies nativas7 8.
Introdução intencional
Talvez a maior motivação para introduzir intencionalmente uma espécie seja a econômica. Espécies introduzidas podem se tornar uma parte tão comum de um ambiente, cultura e até mesmo da dieta que pouco se pensa em sua origem geográfica.
Galinhas, porcos, vacas, carpas, tilápias, ovelhas, cabras, cavalos, pardais e muitos outros animais e plantas são, na verdade, espécies que foram intencionalmente introduzidas no país com fins econômicos.
Cães, gatos, várias aves, peixes e outros animais domésticos foram todos intencionalmente introduzidos como um importante meio para apoiar atividades recreativas e aumentar o prazer humano. No entanto, estes animais também podem ser considerados invasores quando se alimentam ou competem por espaço com a fauna nativa9.
A Ilha da Furtada no Rio de Janeiro, por exemplo, é dominada por cerca de 750 gatos selvagens introduzidos em 1950. Atualmente, os gatos se tornaram uma praga local, alterando a qualidade do solo e desequilibrando a fauna10.
Já o caramujo-gigante-africano (Achatina fulica), foi trazido para o Brasil na década de 80 para ser comercializado a um preço menor que o escargô, mas, por não ter caído no gosto da população, foram soltos em qualquer lugar. Eles se adaptaram e atualmente causam grandes prejuízos ao meio ambiente e à agricultura.
Alguns outros exemplos de animais introduzidos intencionalmente são as tartarugas-da-flórida, búfalos, pombos, coelhos, patos, cisnes, gansos, dentre outros, dos quais muitos se tornaram espécies invasoras que dificultam a prosperidade de diversas espécies nativas.
Apesar de a introdução intencional nem sempre ser ruim (quando controlada), inserir animais exóticos para fins recreativos e de prazer é o principalmente motivador para o tráfico de animais. Tanto o tráfico quanto o escape ou a soltura deliberada causam desequilíbrios ambientais e podem, com o tempo, levar centenas de espécies à extinção.
Saúde humana
As espécies invasoras não só causaram danos ecológicos e perdas econômicas, mas também afetam a saúde humana, disseminando doenças como alergias e vírus que podem ser fatais.
Pombos, roedores e insetos como mosquitos, pulgas, piolhos e outras pragas podem servir como transmissores e reservatórios de doenças. Ao longo da história, epidemias como a malária, febre-amarela, tifo e a peste bubônica se espalharam pelo contato com estes animais11.
Além da possibilidade de transmitir doenças diretamente, os esforços para controlar estas pestes podem ter implicações de saúde pública a longo prazo. Por exemplo, pesticidas aplicados em plantações para exterminar uma determinada praga podem poluir o solo, a comida e a água, afetando negativamente o próprio meio ambiente e todos que ingerirem tal alimento, sejam pessoas ou animais12.
O aumento do turismo e do comércio acelera a disseminação de espécies invasoras entre diferentes ecossistemas, regiões e países, o que representa uma das principais causas da perda da biodiversidade e da extinção de espécies, ao lado das mudanças climáticas, da perda de habitat, da sobre-exploração e da poluição.
Essas espécies afetam a prestação de serviços ambientais, a economia, a saúde e a conservação do patrimônio natural e genético. O Ministério do Meio Ambiente atua na criação e definição de normas, políticas, estratégias e iniciativas destinadas a prevenir a introdução e controlar as espécies invasoras que ameaçam as espécies nativas, os habitats e os ecossistemas13.
Outros órgãos governamentais também desempenham importantes ações para evitar o estabelecimento dessas espécies em todo o território nacional. Desde 1998, a introdução de animais exóticos sem autorização oficial é considerada crime ambiental no Brasil (Lei Federal 9.605/1998)3, ainda assim o trabalho para impedir a proliferação dessas espécies ainda é contínuo.
Referências:
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MOONEY, H. A.; INTERNATIONAL COUNCIL FOR SCIENCE. SCIENTIFIC COMMITTEE ON PROBLEMS OF THE ENVIRONMENT. Invasive alien species: a new synthesis. Washington, Dc: Island Press, 2005. ISBN: 1559633638, 9781559633635 ↩︎
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Agência Brasil: Mais de 100 animais brasileiros são considerados invasores no país ↩︎
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Ribas — Consultoria Ambiental — Espécies nativa x exótica ↩︎
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Ibama — ESTRATÉGIA NACIONAL PARA ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS Projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção ↩︎
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Rocha, C. F. D., Anjos, L. A., & Bergallo, H. G.. (2011). Conquering Brazil: the invasion by the exotic gekkonid lizard Hemidactylus mabouia (Squamata) in Brazilian natural environments. Zoologia (curitiba), 28(6), 747–754. https://doi.org/10.1590/S1984-46702011000600007 ↩︎
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SBPC — ABELHAS AFRICANIZADAS NO BRASIL: DO IMPACTO INICAL ÀS GRANDES TRANSFORMAÇÕES ↩︎
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Associação Brasileira de Estudo das Abelhas — Quais abelhas são criadas no Brasil? ↩︎
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Ibama — ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS: ESTRATÉGIA NACIONAL E PLANO DE IMPLEMENTAÇÃO 2019 ↩︎
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A misteriosa ilha onde 750 gatos selvagens vivem sozinhos ↩︎
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ELTON, C. S.; SIMBERLOFF, D.; RICCIARDI, A. The ecology of invasions by animals and plants. Cham, Switzerland: Springer, 2020.ISBN: 3030347214, 9783030347215 ↩︎
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AMB Science — Consequências do uso de agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente ↩︎
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ICMBio — Guia de Orientação para o Manejo de Espécies Exóticas Invasoras Em Unidades de Conservação Federais ↩︎