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Lagartas e suas técnicas de defesa

As borboletas e mariposas estão entre os insetos mais bem-sucedidos do mundo, podendo ser encontradas em todo os continentes com exceção da Antártica. Existem cerca de 180 mil espécies, sendo 10% borboletas e 90% mariposas. Apenas no Brasil, há cerca de 50.000 espécies.1

Cientificamente, ambos insetos são igualmente chamados de lepidópteros e todos botam ovos dos quais suas lagartas eclodem. Todas as lagartas se tornam borboletas ou mariposas, porém, devido a grande diversidade de espécies, não há características físicas específicas que separem lagartas de mariposas de lagartas de borboletas.2

Diferentemente das larvas de qualquer outro inseto, as lagartas sempre chamaram a nossa atenção por suas belas cores, padrões ou por suas aparências exóticas. Podem ser pequenas e frágeis ou terem até 15 cm de comprimento; ter espinhos, cerdas ou aparência gelatinosa.

As lagartas são conhecidas por consumirem um grande volume de alimentos para seu tamanho. O apetite voraz é necessário para que possam crescer, construir suas crisálidas e se transformar em borboletas ou mariposas.

A maioria das lagartas se alimentam de folhas e algumas são conhecidas por serem verdadeiras pragas nas lavouras, causando prejuízos, por exemplo, às plantações de soja, arroz, tabaco e couve. Outras espécies podem se alimentar de grãos como as larvas da traça-de-farinha ou até mesmo de produtos animais como as larvas da traça-de-roupa. Além disso, cerca de 1% se alimenta de insetos.3

Técnicas de defesa das lagartas

Muitos animais se alimentam de lagartas, consequentemente, elas desenvolveram diversos mecanismos de defesa contra seus predadores. Apesar de a primeira vista serem lentas e indefesas, suas estratégias podem variar entre aparência, comportamento, produção de substâncias químicas ou a combinação de vários tipos.

Camuflagem, mimetismo e aposematismo

Lagarta da borboleta caixão-de-defunto (Heraclides thoas)

Lagarta da borboleta caixão-de-defunto (Heraclides thoas) se assemelha aos dejetos de um passarinho. Imagem de Leticia Smania Donanzan sob a licença CC-BY-NC 4.0 via iNaturalist

Muitas lagartas usam a camuflagem para se esconder de seus predadores ao se assemelharem ao ambiente ao seu redor. A lagarta da borboleta caixão-de-defunto (Heraclides thoas), por exemplo, se assemelha aos dejetos de um pássaro e faz com que passe despercebida por muitos predadores.

Os bichos-do-cesto (um grupo de mariposas da família Psychidae), no entanto, não possui uma aparência críptica, mas constrói uma barreira cobrindo-se com minúsculos gravetos para se proteger e se camuflar.

Outras espécies usam o mimetismo para afastar seus predadores. O mimetismo se diferencia da camuflagem por imitar outros animais, como é o caso das lagartas de mariposas-falcão (Madoryx oiclus) e esfinge-tersa (Xylophanes tersa) que possuem grandes manchas oculares em seus corpos que se assemelham a olhos e ajudam a intimidar predadores.

Lagarta da mariposa falcão (Hemeroplanes triptolemus)

Lagarta da mariposa-falcão (Hemeroplanes triptolemus) pode ser confundida com uma serpente. Imagem de Marcos Sena sob a licença CC-BY-NC 4.0 via iNaturalist

A lagarta da mariposa-falcão (Hemeroplanes triptolemus), no entanto, adquiriu não apenas a aparência intimidante, mas também comportamentos defensivos que a permite ser confundida com uma serpente.

Já o aposematismo, no entanto, é visto em lagartas que possuem muitas cores vibrantes, alertando os animais próximos que comê-la pode ser perigoso, esse é o caso da lagarta da mariposa-esfinge Isognathus caricae.

Lagarta da mariposas-esfinge (Isognathus caricae)

Lagarta da mariposas-esfinge (Isognathus caricae) possui cores vibrantes que alertam outros animais de que pode ser perigosa se ingerida.

O aposematismo está relacionado não apenas a aparência, mas também a defesas químicas geradas pelo animal. Espécies aposemáticas podem ter gostos desagradáveis que geralmente são produzidos após absorverem os componentes químicos de certas plantas que outros animais evitam.4

Espécies como a monarca-do-sul (Danaus erippus) e a mariposa-esfinge (I. caricae) se alimentam de plantas com componentes tóxicos que ao serem digeridos, são transferidos para o corpo do animal, fazendo com que passem a ter um gosto desagradável e evitem ser predados. Um predador que já tentou se alimentar de alguma dessas lagartas aprendeu que não são palatáveis e passam a evitá-las.

A lagarta da borboleta caixão-de-defunto também usa um composto químico de odor desagradável para afastar possíveis ameaças — essa é uma das possíveis justificativas para o seu nome popular.

Lagartas venenosas

Lagarta da mariposa Megalopyge basalis

Lagarta da mariposa Megalopyge basalis. Imagem de Esteban Diego Koch sob a licença CC-BY-NC-ND 4.0 via iNaturalist

Muitas lagartas contêm cerdas ou espinhos que se soltam facilmente e penetram a pele, boca ou os olhos de seu ofensor liberando toxinas que podem causar desde uma simples irritação, até a morte — dependendo da espécie e da quantidade de veneno inserido.

Somente a fase larval das mariposas pode ser perigosa para o ser humana as demais (ovo, pupa e adulto) são inofensivas, assim como as lagartas de borboletas. A única mariposa adulta que pode causar algum perigo, são as mariposas fêmeas do gênero Hylesia, que apresentam cerdas urticantes no abdômen.5

Há entre nove e doze6 famílias de lepidópteros que podem causar acidentes em humanos. No Brasil, as famílias mais preocupantes são as Saturniidae que contém diversas espécies de aparência espinhosa, e a Megalopygidae5 que são conhecidas por sua aparência peluda — frequentemente chamadas de taturanas, lagartas-cachorrinho e lagartas de fogo.

As lagartas destas famílias compõem centenas de espécies que podem ser encontradas em todo o país, a maioria dos acidentes, no entanto, ocorre no Sul e Sudeste.

Devido a frequente ocorrência em humanos e a gravidade dos envenenamentos, as lagartas urticantes são classificadas como animais peçonhentos, assim como serpentes, escorpiões, aranhas e abelhas, sendo consideradas de importância médica.7

Quando humanos entram em contato com estas lagartas podem ter dores, náuseas, reações alérgicas, queimaduras ou sangramentos através da pele, urina e mucosas — se o acidente não for tratado, dependendo do caso, pode levar a óbito.

Larvas da mariposa Lonomia oblíqua

Larvas da mariposa Lonomia oblíqua se alimentam comunalmente. Imagem de Amanda Mantanhini via iNaturalist

Uma das lagartas mais conhecidas e perigosas do Brasil é a taturana-oblíqua (Lonomia obliqua), que se alimenta comunalmente e não de forma solitária. O contato com esta espécie geralmente resulta em múltiplas exposições ao veneno com altas taxas de casos fatais.

A taturana-oblíqua é a com a maior relevância para a saúde pública.5 Pesquisas da ESALQ/USP indicam que a proliferação de lonomias se deve ao desequilíbrio ambiental provocados por desmatamentos, queimadas e o extermínio de seus predadores naturais contra os quais, seus pelos não são defesa.8

No Brasil, ocorrem cerca de 500 casos por ano de contatos entre lagartas e pessoas, dos quais 0,5% resultam em morte.9 Sendo assim, o envenenamento é um problema preocupante não somente no Brasil como também na Venezuela, com taxas de letalidade de 3 a 6 vezes maiores do que para picadas de cobras.7 6

Os sintomas variam de acordo com a espécie da lagarta, e nos casos mais simples podem ser tratados apenas com medidas para alíviar a dor, como compressas frias. Caso haja suspeita de acidente com taturanas Lonomias, o paciente deve ser levado ao pronto socorro mais próximo para que um profissional de saúde avalie a gravidade e se há a necessidade da aplicação do soro para neutralizar os efeitos da picada.5

As taturanas não são as que se alimentam comunalmente. As larvas das borboletas do gênero Heraclides também possuem esse hábito, porém, se diferenciam por não apresentar perigo ao toque — como as larvas de mariposas. Sendo assim, é importante estar atento a aparência do animal e se há algum sintoma caso os toque.

Apesar de muitas espécies apresentarem risco para os humanos ou prejuízos nas lavouras, os lepidópteros têm grande importância biológica por serem responsáveis por polinizar diversas plantas. Além disso, alguns são espécies-chave para a manutenção do equilíbrio ecológico, e podem ser usadas como indicadores de qualidade do ambiente em que vivem.

Referências:


  1. Cardoso, A. E. C., & Haddad Junior, V.. (2005). Acidentes por lepidópteros (larvas e adultos de mariposas): estudo dos aspectos epidemiológicos, clínicos e terapêuticos. Anais Brasileiros De Dermatologia, 80(6), 571–578. https://doi.org/10.1590/S0365-05962005000700002  ↩︎

  2. Butterfly house — Can one tell the difference between the Caterpillar of a moth and that of a butterfly?  ↩︎

  3. Gagneron, U., Bodi, E., Morris, B. (1985). Caterpillars of European butterflies. França: Sciences Nat. p 42 ISBN: 9782857240297, 2857240295  ↩︎

  4. Paulino Neto, Hipolito. (2008). As defesas das borboletas. Ciência Hoje. 42. 71-73.  ↩︎

  5. Ministério da saúde — Acidentes por Lagartas  ↩︎

  6. DIAZ JH. THE EVOLVING GLOBAL EPIDEMIOLOGY, SYNDROMIC CLASSIFICATION, MANAGEMENT, AND PREVENTION OF CATERPILLAR ENVENOMING. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene Am J Trop Med Hyg. 2005;72(3):347-357. doi:10.4269/ajtmh.2005.72.347  ↩︎

  7. Junir Antônio Lutinski, Suiane Oliveira de Quadros, Joel Morsbacher, Jéssica Tiburski, Paula Senna da Silva, Francis Maira Schabat, Karina Giachini, Maira Telechêa da Silva, Vanessa da Silva Corralo — Lepidópteros de importância médica no município de Chapecó, Santa Catarina  ↩︎

  8. Portal São Francisco — Taturanas  ↩︎

  9. G1 — Lagarta com veneno capaz de matar é encontrada pela 1ª vez em Brasília  ↩︎

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