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Métodos de defesa das serpentes

Ao mencionarmos o termo “cobras” é comum que muitas pessoas as associem instantaneamente ao medo e ao perigo. No entanto, essas criaturas, frequentemente vistas como predadoras, também são presas de uma variedade de animais, sendo alvos inclusive dos humanos.

Como resultado, as serpentes desenvolveram uma série de métodos de defesa essenciais para sua sobrevivência, que vão além da picada e do veneno. Esses comportamentos defensivos são tão variados quanto as espécies que os utilizam, permitindo que as serpentes se adaptem a diferentes tipos de ameaças.

Essas estratégias de defesa não são apenas instintivas, mas também moldadas pela evolução e pela necessidade de sobrevivência em um ambiente repleto de predadores. De fato, um estudo de 1988 feito por Greene, H.W. identificou que existem cerca de 45 métodos de defesa usados pelas serpentes, separados em defesa primária e defesa secundária.1

Mecanismo de defesa primários

Segundo o professor Paulo Sérgio Bernarde, da Universidade Federal do Acre, métodos de defesa primários são aqueles que independem da presença de um predador, e existem de forma inata ao comportamento e às características do animal.2 Alguns exemplos são o aposematismo visto nas corais-verdadeiras e o mimetismo, visto principalmente nas falsas-corais – mas também em outras serpentes.

O aposematismo é um sinal visual, olfativo ou auditivo que alerta possíveis predadores de que aquele animal não deve ser comido, pois possui espinhos, gosto desagradável ou veneno. As serpentes podem usar todos os três tipos de sinais aposemáticos. O chocalho da cascavel, por exemplo, é uma forma acústica de aposematismo, que avisa aos predadores que aquele animal é venenoso.3

No entanto, os métodos de aposematismo mais conhecidos nas serpentes são os visuais, exibindo cores brilhantes e padrões de alto-contraste. Assim, quanto mais colorido e mais conspícuo o organismo, mais tóxico geralmente é.4 As serpentes aposemáticas mais conhecidas são as corais, que exibem cores como vermelho, amarelo, preto e branco,5 proporcionando um forte contraste com a folhagem verde, sendo facilmente avistadas tanto na sombra quanto em locais bem iluminados.

Cores aposemáticas de uma coral-de-colar-branco (M. corallinus)

Cores aposemáticas de uma coral-de-colar-branco (M. corallinus). Imagem de W_endo sob a licença CC0 via iNaturalist.

O aposematismo é uma estratégia suficientemente bem-sucedida para ter tido efeitos significativos na evolução de espécies não-aposemáticas, que evoluíram para imitar aparência das aposemáticas e evitarem serem predadas. Esse é o caso do mimetismo.

Um claro exemplo de mimetismo pode ser visto nas falsas-corais. Outro exemplo, são as serpentes do gênero Xenodon – conhecidas popularmente como achatadeiras, capitão-do-mato ou boipevas – que não são peçonhentas, e usam o mimetismo para se protegerem ao serem confundidas com jararacas ou corais-verdadeiras.6

Boipeva (X. matogrossense) mimetiza una cora-verdadeira

Boipeva (X. matogrossense) mimetiza una coral-verdadeira. Imagem de Diego J. Santana sob a licença CC-BY-NC 4.0 via iNaturalist.

A camuflagem também faz parte das defesas primárias dos animais. Cobras arborícolas costumam ser verdes para se misturarem à folhagem das árvores, da mesma forma, serpentes que são mais ativas no solo possuem uma coloração terrosa, semelhante às das folhas secas e gravetos, como a coloração vista nas jararacas.

Mecanismos de defesa primários não estão relacionados apenas à coloração do animal, podendo estar relacionados aos seus hábitos também. Algumas serpentes diurnas, por exemplo, procuram lugares elevados como as árvores para se protegerem dos predadores noturnos que caçam no chão da mata.

Mecanismos de defesa secundários

O professor Paulo Sérgio Bernarde afirma também que métodos de defesa secundários são respostas comportamentais diferenciadas na presença de um potencial predador, podendo adotar métodos variados a depender da espécie. Os dois mais frequentes é a imobilidade — onde algumas serpentes ficam imóveis a espera de passarem despercebidas e, principalmente, a fuga.

As cascáveis, no entanto, são conhecidas por vibrarem o chocalho de sua cauda como sinal de alerta. Já serpentes como as jararacas (Bothrops spp.), surucucu (L. muta), caninana (S. pullatus) e muitas outras possuem o hábito de vibrarem a cauda (mesmo que não tenham um guiso) para alertar aos predadores que elas estão ali.

Há quem diga que uma forma de identificar se uma serpente é peçonhenta ou não é observando o formato da cabeça, sendo que serpentes com cabeças triangulares seriam venenosas. Além do fato dessa afirmação não ser verdadeira, algumas serpentes não peçonhentas, como as boipevas (Xenodon ssp.) e dormideiras (Dipsas ssp.), têm o hábito de triangularizar a forma da cabeça para parecerem com as jararacas e evitar serem predadas.7 8

Cobra caracoleira (D. sazimai) triangularizando a cabeça

Cobra caracoleira (D. sazimai) triangularizando a cabeça. Imagem de Kennedy Borges sob a licença CC-BY-NC 4.0 via iNaturalist.

As serpentes do gênero Xenodon são um excelente exemplo de métodos de defesa, pois apresentam uma variedade de estratégias para se protegerem de predadores, podemos destacar os seguintes comportamentos:9 movimentos erráticos, em que a cobra se desloca de maneira brusca e desordenada, dificultando sua captura e o achatamento do corpo, realizado de forma dorsoventral para parecer maior — comportamento também observado em algumas espécies de jararacas, como a B. atrox, e corais-verdadeiras, como a M. surinamensis.

Outra estratégia interessante é a exibição da cauda em que o animal enrola a ponta e eleva a cauda para distrair o predador, desviando sua atenção de sua cabeça. Esse comportamento também é visto em outras espécies como a coral-d’água (A. scytale), a salamanta (E. cenchria), a muçurana (C. clelia) e, principalmente, as corais-verdadeiras do gênero Micrurus.

Cobra-coral-potiguara (M. potguara) com a cauda enrolada

Cobra-coral-potiguara (M. potguara) com a cauda enrolada. Imagem de Annanda Lacerda sob a licença CC-BY-NC-4.0 via iNaturalist.

Além disso, algumas serpentes liberam fezes e urina pela cloaca como uma descarga defensiva. Outra tática é a simulação de um ataque, mantendo a boca fechada — o que confunde e assusta o predador.1

As serpentes podem utilizar muitos outros métodos de defesa. Algumas, como a azulão-boia (L.ahaetulla) e a cobra-cipó-mexicana (O. aeneus), abrem a boca para parecerem maiores. Já as jiboias emitem sons ou sibilos com a boca para intimidar possíveis predadores. Algumas cobras, como a surucucu-do-pantanal (H. gygas)10 e a Micrurus ortonii11, fingem-se de mortas. Já as sucuris, se enrolam formando uma bola, escondendo a cabeça, enquanto outras apenas escondem a cabeça sob o corpo, sem a necessidade de se enrolar completamente.

Além disso, a simples ação de se enrodilhar e recuar o pescoço de forma sigmoide também são considerados métodos de defesa. Esse comportamento pode ser observado em serpentes como as jiboias, cascavéis e jararacas, e frequentemente antecede um bote que pode ser desferido tanto por serpentes peçonhentas quanto não peçonhentas.

Caninana (S. pullatus) com o papo inflado com pescoço em forma sigmoide

Caninana (S. pullatus) com o papo inflado e com pescoço posicionado em forma sigmoide. Imagem de Marcos Emiliano sob a licença CC-BY-NC 4.0 via iNaturalist.

Por fim, a mordida ou picada costuma ser o último recurso de defesa. Em serpentes não peçonhentas, usa-se o termo “morder”, enquanto em serpentes peçonhentas, o termo correto é “picar”. Em alguns casos, as serpentes peçonhentas podem morder sem injetar veneno, o que é chamado de picada seca.

As estratégias de defesa variam de acordo com o nível de ameaça percebido. Inicialmente, elas tendem a adotar comportamentos crípticos, como ficar imóveis ou achatar o corpo. Quando um ataque se torna iminente, a cobra exibe uma variedade maior de comportamentos, incluindo movimentos erráticos, achatamento do corpo, triangulação da cabeça e exibição da cauda. Os botes falsos e a descarga de dejetos são respostas a situações de extremo perigo.8

As serpentes possuem uma gama impressionante de métodos de defesa, muitos dos quais são usados de forma estratégica para evitar confrontos diretos (neste texto foram citados apenas uma parcela, dos métodos mais comuns). Embora a picada seja o primeiro recurso que vem à mente quando pensamos em serpentes, geralmente adotam uma série de sinais e comportamentos para alertar os predadores e evitar picar — deixando essa medida como último recurso.

Essa abordagem cautelosa reflete a importância do veneno na alimentação dessas criaturas, pois é um recurso valioso que deve ser utilizado com moderação, já que a falta do veneno pode tornar a serpente vulnerável em situações de necessidade.

Portanto, ao observarmos as diversas táticas de defesa das serpentes, é possível perceber o quanto elas são adaptadas para enfrentar os desafios do seu ambiente, demonstrando que sua sobrevivência depende de muito mais do que simplesmente morder ou picar.

Além disso, o conhecimento sobre essas estratégias e o respeito por esses animais são fundamentais para a preservação das serpentes e o equilíbrio ecológico. A educação ambiental e a conscientização são essenciais para garantir que esses animais sejam protegidos e respeitados em seus habitats.


  1. Greene, H. W. (1973). Defensive Tail Display by Snakes and Amphisbaenians. Journal of Herpetology, 7(3), 143–161. doi: 10.2307/1563000  ↩︎

  2. Mecanismos de defesa das serpentes - Prof. Paulo Bernarde  ↩︎

  3. Meik JM, Pires-daSilva A. Evolutionary morphology of the rattlesnake style. BMC Evol Biol. 2009 Feb 10;9:35. doi: 10.1186/1471-2148-9-35  ↩︎

  4. MAAN, M. E.; CUMMINGS, M. E. Poison frog colors are honest signals of toxicity, particularly for bird predators. The American naturalist, v. 179, n. 1, p. E1-14, 2012.Doi:10.1086/663197  ↩︎

  5. Stevens M, Ruxton GD. Linking the evolution and form of warning coloration in nature. Proc Biol Sci. 2012 Feb 7;279(1728):417-26. Epub 2011 Nov 23. PMID: 22113031; PMCID: PMC3234570. doi: 10.1098/rspb.2011.1932↩︎

  6. Hugo Cabral, Pier Cacciali, Diego José Santana, Evolution of the rostral scale and mimicry in the genus Xenodon Boie, 1826 (Serpentes: Dipsadidae: Xenodontinae), Biological Journal of the Linnean Society, Volume 137, Issue 2, October 2022, Pages 280–293, doi: 10.1093/biolinnean/blac086  ↩︎

  7. Dell’Aglio, D. D., Toma, T. S. P., Muelbert, A. E., Sacco, A. G., & Tozetti, A. M.. (2012). Head triangulation as anti-predatory mechanism in snakes. Biota Neotropica, 12(3), 315–318. doi: 10.1590/S1676-06032012000300031  ↩︎

  8. Tozetti, A. M., Oliveira, R. B. de ., & Pontes, G. M. F.. (2009). Defensive repertoire of Xenodon dorbignyi (Serpentes, Dipsadidae). Biota Neotropica, 9(3), 157–163. doi:10.1590/S1676-06032009000300016  ↩︎

  9. Gehlbach, F. R. (1970). Death-Feigning and Erratic Behavior in Leptotyphlopid, Colubrid, and Elapid Snakes. Herpetologica, 26(1), 24–34. Preview  ↩︎

  10. Marques, Otavio & Banci, Karina & Strüssman, Christine. (2013). Death-feigning behaviour in water snakes of the genus Hydrodynastes (Dipsadidae) from South America. Herpetology Notes. 6. 95-96. ResearchGate  ↩︎

  11. Castellari Gonzalez, Rodrigo & Oliveira, Uécson. (2020). Death-feigning behaviour in Micrurus ortonii (Schmidt, 1953) (Elapidae) in northern Brazil. Herpetology Notes. 13. 603.ResearchGate  ↩︎

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