Araras e maracanãs do Brasil
As araras fazem parte da mesma família que os papagaios, periquitos, calopsitas (psitacídeos) e afins. São caracterizadas por terem pés zigodátilos, ou seja, pés com dois dedos voltados para frente e dois para trás, e bicos fortes e curvos , perfeitos para abrir frutos e quebrar sementes duras. As araras, se diferenciam dos outros psitacídeos por terem bicos relativamente maiores, parte da cara nua ou com poucas penas e longos rabos1.
Quando pensamos em araras, logo nos vêm em mente as grandes araras-vermelhas ou azuis que sempre nos encantaram com sua exuberância. Porém, na verdade, existem cerca de 18 espécies de araras encontradas na desde o México até o Paraguai. O Brasil contém a maior diversidade, sendo o lar de 12 espécies distribuídas em seis gêneros: Anodorhynchus, Cyanopsitta, Ara, Primolius, Diopsittaca e Orthopsittaca.
1 - Araras-azuis (Anodorhynchus ssp.)
Haviam três espécies de araras-azuis, mas uma delas, a arara-azul-pequena (A. glaucus), está oficialmente extinta no Brasil, não sendo avistada há mais de 80 anos. As duas espécies existentes são a arara-azul e a arara-azul-de-lear. Ambas são muito parecidas: são azuis com a parte interna das asas e da cauda pretas, e o contorno dos olhos e a pele ao redor do bico, amarelos.
Porém, a faixa amarela ao redor da arara-azul é mais fina do que a da arara-azul-de-lear. A arara-azul-de-lear também é menor que a arara-azul e possui um brilho esverdeado em suas penas da cabeça2.
Arara-azul (A. hyacinthinus): A arara-azul é o maior psitacídeo voador do mundo, podendo atingir até 1 m de comprimento (da cabeça até a ponta do rabo) e 1,20 m de envergadura. É nativa da América do Sul e habita principalmente o Brasil, alguns avistamentos também foram feitos em regiões limítrofes do Pantanal da Bolívia e do Paraguai. Dos 6.500 indivíduos estimados em 2003, cerca de 5 mil encontram-se no Pantanal e cerca de 200 na Bolívia.
Se alimentam das sementes de diversas palmeiras. São aves monogâmicas e passam a vida toda com o mesmo parceiro. Eles se revesam em construir o ninho e cuidar dos filhotes e só se separaram após a morte de um dos dois. Ainda assim, não buscam novos parceiros e não se reproduzem mais.
So longo da década de 80, a espécie sofreu um grande declínio depois que cerca de 10 mil aves foram capturadas ilegalmente para o comércio de animais de estimação. Somada a destruição do habitat e a caça, a arara-azul foi considerada vulnerável a extinção pela Lista Vermelha da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção até 20183.
Atualmente seus números têm aumentado graças aos esforços dos projetos de conservação, porém ainda não se recupararm totalmente e sua situação ainda é delicada devido à baixa taxa de natalidade e a captura de seus ovos e filhotes para o tráfico4.
Arara-azul-de-lear (A. leari): É uma arara endêmica, encontrada apenas na Reserva Ecológica do Raso da Catarina e na Reserva Biológica de Canudos — norte do estado da Bahia. Se diferencia da arara-azul principalmente pela maior quantidade de pele amarela exposta na mandíbula inferior, por ter penas esverdeadas na região da cabeça e do pescoço e por seu tamanho reduzido — cerca de 70 cm5.
Esta espécie se alimenta quase exclusivamente dos frutos do licuri, (um tipo de palmeira) podendo um único indivíduo comer mais de 300 frutos por dia. Sendo assim, o desmatamento para a pecuária e agricultura reduz seus recursos alimentares e consequentemente a sobrevivência da espécie. Além disso, outro fator agravante em seu estado de conservação é a caça e o tráfico de animais, que ainda que reduzido em comparação com anos anteriores, existe.
Estima-se que na década de 90 não existiam mais de 60 indivíduos6, porém graças a diversos programas de conservação ambiental seus números têm aumentado gradativamente, e desde 2008 deixaram a categoria de “criticamente em perigo” sendo atualmente classificadas como “em perigo”.
Apesar de ainda serem poucos, atualmente existem cerca de 2.000 indivíduos, porém, apenas 20% 3 6 desse número é composto por animais adultos que podem se reproduzir. Espera-se que com o constante esforço para sua preservação seus números continuem a subir com o passar dos anos.
2- Ararinha-azul (Cyanopsitta spixii)
É a única espécie do gênero. A ararinha-azul possui em média 57 cm de comprimento e possui a plumagem azul-clara com a cabeça cinza-clara. Seu habitat são as matas de galeria no extremo norte da Bahia, ao sul do rio São Francisco.
A ararinha-azul foi declarada extinta na natureza em 2.000 devido à destruição de seu habitat e a captura para o tráfico de animais. Porém, desde a década de 90 o governo brasileiro começou um projeto de reprodução e negociação de retorno de ararinhas-azuis criadas em cativeiro pelo mundo.
Em 2020, graças aos esforços da organização alemã ACTP e do ICMBio, 52 indivíduos nascidos em cativeiro foram trazidos da Alemanha para o Brasil. Estas ararinhas passaram por um longo e cuidadoso processo para se acostumarem à vida selvagem, e as com as melhores aptidões nos testes foram as primeiras a serem reintroduzidas na natureza em 2023.
As ararinhas-azuis reintroduzidas estão sendo atentamente observadas e espera-se que estes indivíduos prosperem para que mais ararinhas possam ser soltas na natureza — voltando a dominar seu habitat7.
3 – Araras (Ara ssp.)
São parte do gênero Ara as famosas araras-vermelhas e a arara-canindé. São conhecidas por suas penas coloridas que exibem tons de azul, amarelo, vermelho e verde. Atualmente existem 8 espécies de araras desse gênero. No Brasil, há 4 espécies encontradas desde o norte até o sudeste, mas é no Cerrado e na Floresta Amazônica que estão seus maiores números.
As araras do gênero Ara podem acasalar com membros de outras espécies gerando filhotes híbridos, férteis e com colorações únicas. Também podem se reproduzir com as araras-azuis do gênero Anodorhynchus, no entanto, os filhotes serão híbridos estéreis.
Apesar de belas e cobiçadas pelos criadores de araras, a ocorrência do hibridismo na natureza pode indicar algum desequilíbrio na espécie, e ainda não se sabe ao certo o impacto que pode causar8 9 10.
Maracanã-guaçu (A. severus): É uma das araras menos conhecidas do Brasil, ocorre em grande parte da Floresta Amazônica, tanto dentro quanto fora do Brasil11. É a única arara de coloração predominantemente verde no país. Tem a testa castanha e o topo da cabeça azul, o dorso, a barriga e parte das asas são verdes, as penas de voo são azuis.
A parte interna das asas e da cauda é vermelha e preta. Assim como outras araras do gênero praticamente não tem penas na face, deixando sua pele branca à mostra. Tem cerca de 45 cm de comprimento, sendo que metade é a cauda.
Apesar de seus números populacionais estarem diminuindo, a maracanã-guaçu é uma espécie muito comum e bem distribuída, portanto, até o momento não sofre risco de extinção.
Arara-canindé (A. ararauna): Mede cerca de 80 cm. Possui o lado superior do corpo, azul, e o lado inferior amarelo, tem o topo da cabeça verde e as penas logo abaixo da mandíbula, pretas. Se destaca das outras araras brasileiras por ter claramente uma linha de pequenas penas pretas na face nua.
Pode ser encontrada na Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia, Paraguai e Equador. No Brasil, é encontrada principalmente na região norte e centro-oeste, mas há relatos de ocorrência na região sudeste. Apesar de estar quase extinta em alguns países, a arara-canindé não está em risco de extinção no Brasil no momento, mas sua população vem diminuindo devido à destruição do habitat e do tráfico12.
Araracanga (A. macao): Também chamada de arara-vermelha-pequena, é a espécie mais conhecida no mundo por sua grande beleza. Chegam a medir 90 cm. Sua plumagem é predominantemente vermelha, suas asas têm penas azuis e amarelas com pontas verdes na parte externa, a parte interna de suas asas é principalmente amarelada. Tem o bico superior claro e o inferior, negro.
Ocorre em grande parte da Floresta Amazônica e em algumas regiões do México e da América Central. A espécie não é considerada ameaçada a extinção no Brasil, mas seus números estão em queda constante13, e os esforços para reverter a situação não obtiveram resultados até o momento.
Arara-vermelha (A. chloropterus): Também conhecida como arara-vermelha-grande ou arara-vermelha-de-asa-verde. Mede cerca de 95 cm. É muito parecida com a araracanga, mas se difere por ter pequenas penas vermelhas na face branca e nua. Além disso, as penas da parte superior das asas são verdes em vez de amarelas e a parte interna é vermelha.
Arara-vermelha é encontrada em toda a Floresta Amazônica, Pantanal e parte do Cerrado. Não está ameaçada a extinção, mas o tráfico e a destruição de seu habitat podem reduzir seus números rapidamente, se não controlado.
4 – Maracanãs (Primolius ssp.)
São araras bem pequenas, com menos de 50 cm — algumas vezes chamadas de mini-araras. São araras relativamente semelhantes entre si, tendo o corpo predominantemente verde com a parte externa das asas azuis e a interna, amareladas. No entanto, cada espécie pode ser diferenciada por alguns detalhes em sua plumagem. Existem 3 espécies espalhadas por grande parte do Brasil:
Maracanã-de-Colar (P. auricollis): Mede cerca de 40 cm. Tem a testa e a garganta pretas. A parte de trás do pescoço é adornada com penas amarelas, parecidas com um colar dourado. Assim, como as araras do gênero Ara, a pele de sua face é branca e desprovida de penas.
Esta espécie habita a região central da América do sul. No Brasil, pode ser encontrada no Sul de Rondônia, do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Uma segunda população disjunta aparece no extremo nordeste do Mato Grosso, até o sudeste do Pará e o oeste do Tocantins.
É uma ave muito adaptável e que diferentemente das outras araras, não é tão afetada pelos impactos ambientais. Portanto, não é considerada em perigo de extinção.
Maracanã-de-Cabeça-Azul (P. couloni): Esta maracanã tem a cabeça, as penas de voo e a ponta da cauda azuis. A pele nua de seu rosto contrasta com outras espécies e gêneros por ser a única com a face negra.
Esta espécie habita apenas uma pequena porção do Acre, além do Peru e noroeste da Bolívia. Sua população já reduzida pela baixa natalidade, tem sofrido com o tráfico e diminuído ainda mais seus números, levando o animal a ser classificado como uma espécie vulnerável a extinção14.
Maracanã-Verdadeira (P. maracana): Apresenta coloração vermelha na testa, na parte inferior da barriga e das costas. A pele de seu rosto é branca ao redor dos olhos, e amarelada perto do bico inferior. Mede cerca de 40 cm.
Ocorre em quase todo o Brasil, com exceção dos Pampas e da Floresta Amazônica. Apesar de ainda ser espécie muito comum e bem distribuíd, está provavelmente extinta de algumas regiões e sua população vem reduzindo rapidamente em toda a sua área de ocorrência devido ao tráfico e a perda de habitat, portanto está classificada como espécie quase ameaçada15.
5 - Maracanã-Nobre (Diopsittaca nobilis)
A maracanã-nobre é a menor espécie de arara, com cerca de 33 cm apenas (não sendo maior que uma calopsita). São muito parecidas com as maracanãs-verdadeiras, mas são menores e só apresentam a coloração vermelha na região das álulas ou encontro (uma parte das asas). Além disso, o bico superior das maracanãs-nobres é claro, e o inferior, escuro.
Habitam o principalmente o Cerrado, mas também são comuns em partes da Caatinga como Alagoas, Pernambuco, Paraíba e na Mata Atlântica de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esta espécie possui um grande número populacional e, apesar de estar reduzindo com a perda de habitat, não está ameaçadas a extinção até o momento.
6 - Maracanã-Do-Buriti (Orthopsittaca manilata)
Também chamada de maracanã-de-cara-amarela, mede cerca de 45 cm. Possui a cabeça azul e, assim como sugere seu nome, a pele da cara amarela. Possui vários tons de verde pelo corpo, sendo mais evidente nas costas, e um verde acinzentado no peito. Além disso, possui uma mancha vermelha na parte inferior da barriga.
Estão presentes em parte do Cerrado e em toda a Floresta Amazônica. Devido ao seu grande alcance geográfico, não é considerada em risco de extinção. Sua dieta consiste quase exclusivamente de frutas e sementes da palmeira buriti e da palmeira-imperial (Roystonea oleracea), portanto, preservar suas áreas de alimentação é essencial para manter estas aves fora de perigo16.
Criação em cativeiro
Atualmente, não é ilegal ter uma arara como animal de estimação no Brasil se o animal for adquirido em um dos criadouros autorizados pelo Ibama. Os criadouros reproduzem a ave em cativeiro sem interferir com os indivíduos selvagens — aprimorando sua mansidão, deixando-os mais saudáveis e ajudando a manter as populações selvagens. O problema, é que dependendo da espécie, ter uma arara legalizada pode custar milhares de reais.
Devido a isso, muitas pessoas optam por aves traficadas e mais baratas, porém isso pode não ser saudável para humano, já que aves selvagens podem transmitir doenças. Para a ave, definitivamente não é saudável, pois ficará doente, estressada, deprimida e morrerá jovem.
Além disso, ao capturar animais como as araras, que têm um importante papel biológico na natureza, deixamos a espécie cada vez mais próxima da extinção e prejudicamos todo o ecossistema com o qual estão relacionadas. Um bom exemplo, é o de dificultar o replantio e o crescimento das árvores nativas dos quais se alimentam.
Essas árvores que não foram plantadas pela falta das araras que abriam e desseminavam seus frutos, deixarão de servir de abrigo e alimento para muitos outros animais — dificultando sua sobrevivência. Ainda assim, caso queira ter uma arara legalizada, saudável, mansa e reproduzida em cativeiro, deve-se lembrar que quanto maior o animal, maior deve ser o espaço disponível para criá-lo.
As maiores araras, por exemplo, precisam de verdadeiros recintos com pelo menos 15 m de comprimento para ter um espaço adequado para suas atividades diárias17. Sua dieta também precisa sem muito bem monitorada já que não são aves que podem comer qualquer semente como pardais e canários.
Apesar de as espécies menores serem mais baratas e demandarem menos espaço, ainda são aves silvestres que precisam de muita interação e atividades diáriamente. Também são muito comunicativas e com hábitos de mastigação que podem se tornar destrutivos caso o animal se sinta estressado ou entediado.
As araras são pássaros maravilhosos que muitos de nós sonhamos em avistar ou ter por perto, mas esse desejo se torna contraditório se precisamos tirá-las da natureza e as confinarmos em casa para nossa satisfação pessoal. Criar um animal silvestre pode não ser uma tarefa fácil. Apesar de belas, estas aves são muito ativas e, dependendo da espécie, podem viver por até 50 anos.
Referências:
-
Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção volume III – Aves - 2018 ↩︎
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Planeta aves - Reintrodução das ararinhas-azuis na natureza! Aves retornam à caatinga bahiana ↩︎
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Campo Grande News - Canindé com vermelha cria a arara híbrida e “nova espécie” já preocupa ↩︎
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Jordan, R. (2009). Guacamayos. Una guía completa. Espanha: Editorial Hispano Europea, S.A.. ↩︎
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Araras híbridas são flagradas disputando ninho com canindé ↩︎
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The Online Guide to the Animals of Trinidad and Tobago - Orthopsittaca manilata ↩︎