Aspectos sobre a vida dos botos
Também chamados golfinhos fluviais, os botos são um grupo de mamíferos marinhos adaptados para a vida em água doce. A diferença entre botos e golfinhos, se dá ao fato de que os golfinhos pertencem à família Delphinidae, enquanto os botos, à família Iniidae. Ambos, fazem parte do grupo dos odontocetos, do qual pertence também as baleias dentadas como a cachalote.
Diferentemente dos golfinhos da família Delphinidae, os botos costumam ser solitários (apesar de serem vistos em pequenos grupos em algumas ocasiões) são lentos e raramente saltam. Dentre todos os golfinhos e baleias dentadas, os botos são os que possuem a dieta mais ampla, alimentando-se de tartarugas e caranguejos, além de seu principal alimento — os peixes. Além disso, por terem se adaptado para viver em águas quentes e rasas possuem pouquíssima gordura, enquanto seus primos de água salgada precisam de um corpo rico em gorduras para se manterem aquecidos nas águas fundas e frias.
Embora haja um debate contínuo sobre a classificação de espécies e subespécies, existem 3 espécies de botos atualmente aceitas, o boto-cor-de-rosa (I. geoffrensis), presente na que se distribuem nas bacias dos rios Amazonas e Orinoco. A segunda espécie é o boto-boliviano (I. boliviensis), descoberto apenas em 2014 e presente na sub-bacia do Rio Madeira, e por último, o boto-do-araguaia(I. araguaiaensis) que habita o Rio Tocantins e Araguaia 1
Estas espécies são muito parecidas, com algumas diferenças sutis na cor, no tamanho e outras características físicas, e não são facilmente distinguíveis por alguém que não seja um estudioso da área.
Além de ser a maior espécie de boto do Brasil, o boto-cor-de-rosa é o que tem a maior distribuição geográfica. Está distribuído numa área de cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados, podendo ser encontrado na Bolívia, Peru, Brasil, Colômbia, Equador e Venezuela. Ocorre em todos os afluentes do rio Amazonas, Orinoco e Araguaia-Tocantins.
Apesar do nome (e diferentemente da imagem que nos é passada em contos populares), apenas os botos adultos possuem parte da coloração rosada — os jovens costumam ser cinzas-escuros e os machos, mais rosados do que as fêmeas. Além disso, a coloração também pode variar segundo a turbidez da água e a localização.
Os machos podem ter até 2,5 m e 185 kg, já as fêmeas costumam ser um pouco menores, com 2,15 m e 150 kg. As fêmeas só têm 1 filhote a cada dois ou três anos e a gestação dura entre 10 e 11 meses. O filhote se alimentam de leite materno por aproximadamente 1 ano, e só alcança a maturidade sexual depois de 6 ou 7 anos.
A ecolocalização dos botos
Assim como os golfinhos e baleias dentadas, os botos possuem uma proeminência em suas cabeças semelhantes a um melão, que é um órgão responsável por sua comunicação sonar e ecolocalização. É usado para ajudar a caçar, localizando e fornecendo uma ideia sobre a distância, forma e o tamanho do alvo.
Os rios amazônicos costumam ser muito turvos — portanto, é provável que o boto-cor-de-rosa dependa muito mais de seu senso de ecolocalização do que da visão ao navegar e encontrar uma presa. No entanto, em águas rasas e florestas inundadas, a ecolocalização pode resultar em muitos objetos para rastrear: para cada sinal produzido, uma infinidade de ecos provavelmente retornará ao animal, o que dificultará a distinção do alvo. Pode ser por isso que os botom produzem sinais mais fracos e com mais frequencia do que os golfinhos. Enviando sinais de amplitude menor, apenas objetos próximos serão detectados, portanto, são mais fáceis de serem identificados.
Ameaças à espécie
Embora os botos costumem ser caçados para serem usado como isca de piracatinga, nas últimas décadas os maiores impactos sobre a população foram devidos à perda de habitat e à pesca acidental. Como mamíferos (e não peixes), os botos precisam de ar e sobem até a superfície em intervalos determinados para respirar. Mas, quando ficam presos nas redes de pesca, não conseguem fazê-lo e acabam por morrer afogados.
Além disso, a construção de barragens e hidrelétricas são outro risco. As populações do rio Tocantins estão fragmentadas por seis hidrelétricas (não incluindo a barragem de Tucuruí), e provavelmente há muito poucos indivíduos, diminuindo suas oportunidades de reprodução e crescimento saudavel. Desde a década de 1960, o rio Araguaia e o rio Tocantins experimentam a pressão do homem através de atividades agrícolas e pecuárias, bem como a construção de hidrelétricas. Todos esses fatores tiveram efeitos negativos em muitos aspectos para o funcionamento do ecossistema.
Já a construção das barragens de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira também isolou uma população de 50 a 100 botos-bolivianos em uma extensão de 100 km — sendo que normalmente se deslocam três vezes essa distância. Em algum tempo, isso poderá causar o empobrecimento genético e, a longo prazo, o desaparecimento dessa população.
Uma série de recomendações foram emitidas para garantir o devido acompanhamento às espécies, entre as quais está a implementação e publicação de estudos sobre a estrutura das populações, registros da distribuição das espécies, informações sobre potenciais ameaças como a magnitude da pesca, operações e localização de dutos.
Conforme a classificação pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), desde 2008, todas as espécies de boto brasileiras devem ser consideradas, no mínimo, vulneráveis à extinção. Os botos são protegidos por lei, sendo proibida a caça ou captura. Em 2012, a Bolívia promulgou uma lei para proteger os botos e os declarou um tesouro nacional.
Os botos são importantes indicadores da saúde dos rios onde vivem: se a população em um determinado local está prosperando, significa que o estado geral do ecossistema local também prospera. Mas se essa população está em declínio, é considerado um sinal de alerta.
Leia mais em:
A New Species of River Dolphin from Brazil or: How Little Do We Know Our Biodiversity
Freshwater dolphin species and facts
Molecular Identification of Evolutionarily Significant Units in the Amazon River Dolphin Inia sp.
Amazon river dolphins (Inia geoffrensis) use a high-frequency short-range biosonar
Encurralados: a história dos botos entre as represas do rio Madeira
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SOUZA, T. N.; BRAGA, C. E. de S.; GUTJAHR, A. L. N. Mamíferos aquáticos e semiaquáticos com ocorrência na Amazônia brasileira: diversidade, habitats e extinção. Concilium, [S. l.], v. 24, n. 5, p. 67–81, 2024. DOI: 10.53660/CLM-3006-24E09 . Acesso em: 8 jul. 2024. ↩︎