Dinossauros e outros animais pré-históricos do Brasil
Abaixo de sua superfície, o Brasil possui uma grande e fascinante pré-história guardada em pequenos fragmentos de milhões de anos. É através de espessas camadas de sedimentos, que podemos descobrir quais animais viveram aqui, como viviam, por quanto tempo, como morreram, como era o clima na época ou até mesmo por que certos animais não viveram no Brasil. Tudo isso está guardado sob os nossos pés.
Era Paleozoica
Durante a era Paleozoica , antes dos dinossauros existirem, a Terra era bem diferente da que conhecemos hoje. Não havia nenhum continente como os que conhecemos atualmente, todos estavam unidos em um enorme continente disforme. Enquanto alguns dos nossos futuros continentes ainda estavam submersos outros que nunca poderemos conhecer, existiam.1,2
Foi depois da explosão cambriana, há 570 milhões de anos, que surgiram os primeiros animais marinhos com carapaça e conchas como os trilobitas, moluscos e equinodermos , e os fósseis puderam finalmente, ser preservados.
Alguns milhares de anos depois surgiram as plantas e os artrópodes terrestres, como insetos, aranhas e centopeias. Mas foi apenas no período Devoniano , há cerca de 420 milhões de anos que os peixes surgiram e deles, surgiram os primeiros animais terrestres — os anfíbios3. Somente no período seguinte, no Carbonífero , que surgiram os primeiros répteis.
A era Paleozoica durou cerca de 291 milhões de anos, e durante todo esse tempo a maior parte do território que em algum momento se tornaria o Brasil esteve por diversas vezes seco, inundado, congelado ou vários desses simultanêamente, dependendo da região.
Portanto, o Brasil foi um lugar relativamente inóspito por milhares de anos e pouco ficou registrado em nossas rochas. Ainda assim, podemos encontrar fósseis de trilobitas, moluscos, outros invertebrados marinhos e alguns peixes nas bacias sedimentares do Amazonas, Parnaíba e Paraná4.
O período após o Carbonífero se chama Permiano — é o último da era Paleozoica. O clima nas terras brasileiras se tornaram um pouco mais habitáveis e puderam abrigar répteis arcossauros5 (que dariam origem aos dinossauros e pterossauros)6, sinapsídeos 7 8 9 (dos quais se originariam os ancestrais dos mamíferos), grandes anfíbios e vários outros tetrápodes (animais com quatro membros).
Fósseis de vários animais da era Paleozoica foram preservados nas bacias do Paraná, Parnaíba, Amazonas e no Rio Grande do Sul. Alguns exemplos são os pararrépteis Stereosternum tumidum4, várias espécies de grandes tubarões conhecidos como ctenacantiformes,10 anfíbios com mais de dois metros de comprimento como temnospôndilos11 e os dicinodontes (um tipo de sinapsídeo, o qual já mencionamos anteriormente).
A extinção do Permiano foi a maior de todas, extinguindo cerca de 80% dos animais3 e dando fim a era Paleozoica. Alguns dos que sobreviveram foram os que deram origem aos dinossauros na era seguinte, a Mesozoica , e a todos os outros animais que conhecemos hoje.
Era Mesozoica
Triássico
A era mesozoica é divida em três períodos, o Triássico, o Jurássico e o Cretáceo. No início do Triássico, grandes arcossauros herbívoros, chamados aetossauros, e arcossauros carnívoros como os rauissuquídeos, reinavam. Apesar de pouco conhecidos, os rauissuquídeos podiam atingir até 6 m de comprimento e certamente tinham protodinossauros (dinossauros primitivos) como parte de sua dieta.
Além dos arcossauro, outros tetrápodes muito importantes foram os cinodontes e dicinodonte. Dentre os dicinodontes podemos citar o Dinodontosaurus turpoi,4 um animal com cerca de 2,5 m e grandes presas voltadas para baixo, como as vistas em tigres-dente-de-sabre. Nestes animais, no entanto, as grandes presas eram provavelmente usadas para arrancar tubérculos e raízes do solo ou em brigas.
Já os cinodontes eram animais muito variados em forma e tamanho, podendo ter desde o tamanho de um rato até mais de 1,5 m de comprimento. Esses animais tinham o corpo comprido, pernas curtas, pelos e podiam ser carnívoros, herbívoros ou onívoros. Eram deles que evoluiriam os ancestrais dos mamíferos. Curiosamente, os cinodontes botavam ovos, mas já possuíam glândulas capazes de secretar líquido rico em nutrientes para seus filhotes. Mais de 20 espécies de cinodontes já foram descobertas no Brasil12.
Os dinossauros do Triássico eram relativamente menores do que os do Jurássico e Cretáceo. Inclusive os maiores saurópodes da época atingiam, em nossas terras, cerca de 1,5 m de altura e 3,5 m de comprimento. Eles ainda não eram de fato dinossauros, mas compunham a base das diversas linhagens evolutivas que surgiram nos períodos seguintes.
Dentre os protodinossauros da época que podemos encontrar no Brasil, estão fósseis de dinossauromorfos,13 sauropodomorfos14 como o Pampadromaeus barberanai e Buriolestes schultzi, e pegadas fósseis de orniquístios como o Sacisaurus agudoensis15 e Gamatavus antiquus.
Também haviam os predecessores dos pterossauros , os pterossauromorfos,16 como o Ixalerpeton polesinensis. Durante o Triássico os pterossauromorfos se assemelhavam mais a pequenos terópodes, eram bípedes e ainda não tinham asas.
A maioria, se não todos os fósseis de animais do Triássico do Brasil, foram encontrados no Rio Grande do Sul. Nesse período todos os continentes estavam unidos em um único megacontinente chamado Pangeia. O Brasil estava unido à África e não existia litoral, a costa mais próxima estava a mais de 2 mil quilômetros tornando a maior parte do continente, árida.
Entretanto, na região do Rio Grande do Sul havia vários rios que todos os anos inundavam e tornavam a vegetação local abundante, atraindo muitos animais.4 Sendo assim, se tornou o local mais propício a conservar fósseis desse período.
No fim do Triássico mais uma extinção levou ao fim a linhagem de centenas de animais. Os dinossauros, ainda pequenos, mas com uma ampla dieta e com as mais variadas aparências, puderam resistir e se adaptar. Com o fim de muitos animais maiores, a competição por comida diminuiu e os dinossauros tiveram mais espaço para se desenvolver, prosperar, e assim finalmente começar seu reinado.
Jurássico
Durante o período Jurássico já haviam os pterossauros basais voadores, plesiossauros, ictiossauros e claro, os dinossauros. Haviam imensos saurópodes, estegossauros , compsognatus e o famoso Archeopteryx , mas no Brasil não há fósseis desses animais.
Podemos encontrar fósseis do período jurássico no Brasil de alguns peixes17 e de um pequeno crocodilomorfo (Batrachomimus pastosboensis) na bacia da Parnaíba, e só4.
Nenhum fóssil de dinossauros jamais foi encontrado no Brasil no período Jurássico! Não porque eles não viveram aqui, mas sim porque a geologia da época não favorecia a fossilização. As terras brasileiras estavam cobertas por imensos desertos de dunas e rochas, a falta de água fazia com que poucos animais conseguissem viver aqui.
Como os fósseis são preservados?
Para ser fossilizado o corpo do animal precisa ser rapidamente coberto com lama, areia ou qualquer outro material que o proteja. Ao estarem expostos ao intemperismo, são esmagados ou comidos por outros animais, levados por enxurradas e destruídos pela exposição. Quanto mais tempo ficar exposto, menores são as chances de ser preservado.
Os continentes estão em constante movimento e podem influênciar diretamente na conservação dos fósseis. Durante o período Jurássico essa deriva continental não foi uma exceção. Porém, em vez de se movimentar apenas lateralmente, o continente estava sendo erguido pelo manto terrestre.
Em vez de a movimentação criar depressões onde sedimentos podiam ser acumulados e fósseis preservados, o Brasil estava em ascensão e exposto à erosão. Sendo assim, haviam poucas regiões rebaixadas que pudessem acumular e preservar ossos de dinossauros ou de outros animais4.
Cretáceo
O Cretáceo é, sem dúvidas, o tempo geológico mais famoso da história. Nele, muitos dinossauros magníficos surgiram, desapareceram ou sobreviveram. É no Cretáceo que viveram os tiranossauros, espinossauros, os gigantes argentinossauros, velociraptores , vários répteis como os mosassauros , pterossauros e muitos outros animais.
No Brasil não foi diferente, o Cretáceo é o período com o maior número de dinossauros conhecidos no país. Foi no Cretáceo que a América do Sul começou a se separar da África, primeiramente abrindo um rio entre os dois continentes e depois se tornando o oceano Atlântico.
Apesar de grande parte do país ainda ser um imenso deserto, a separação também abriu vários caminhos para que rios e lagos corressem para o interior do Brasil. Assim, a água pode regar algumas partes desse imenso e árido país, favorecendo o crescimento da vegetação como em nenhuma outra era e tonando os ambientes próximos a esses corpos d’água habitáveis para muitos animais.4
As bacias São Luís-Grajaú e Parnaíba, no Maranhão, foram alguns dos locais onde muitos animais viveram e tiveram seus fósseis preservados. Já foram encontrados dezenas de fósseis de peixes, anfíbios, artrópodes, uma serpente ainda com pernas (Tetrapodophis amplectus)18 mais de 30 espécies de pterossauros 16 (uma das maiores jazidas de pterossauros do Brasil), aves,19 20 mosassauros, plesiossauros e tartarugas .
Fósseis de vários dinossauros terópodes também foram retirados de lá: como o Irritator challengeri, Angaturama limai, Aratasaurus museunacionali, Santanaraptor Placidus, Mirischia asymetrica e o Ubirajara Jubatus.21
Outro local que merece destaque é a formação Goio-erê no Paraná, onde um antigo oásis preservou mais de 47 fósseis de pterossauros22 e 5 espécies de dinossauros. Tudo isso em menos de 20% da área programada a ser explorada.23 Apesar de a preservação de fósseis durante o Cretáceo ser difícil em boa parte do Brasil, ainda podemos encontrar fragmentos de fósseis como dentes, vértebras, costelas e outros ossos de diversos dinossauros e outros animais em outras partes do país.4
Podemos citar serpentes (Seismophis septentrionalis e Boipeba tayasuensis), outros espinossaurídeos (Oxalaia quilombensis),24 abelissaurídeos25 e diversos saurópodes — inclusive titanossauros.26 Na bacia do Paraná, em São Paulo e Minas Gerais, já foram encontrados fragmentos fósseis de mais de 30 espécies de crocodilos.27 Já no interior da Paraíba, milhares de pegadas de dinossauros e de vários outros animais foram preservadas.4
Outros animais pré-históricos brasileiros
Durante a era Cenozóica , onde hoje estão as bacias de Taubaté e Solimões, havia uma grande diversidade de fauna e flora. A bacia de Solimões, especificamente, era um megapantanal trinta vezes maior do que o atual Pantanal Matogrossense.4
Dentre os animais que viviam por aqui podemos citar vários ungulados, ancestrais das antas , cavalos, cervídeos , camelídeos, rinocerontes e mastodontes. Também havia a Paraphysornis brasiliensis (uma ave-do-terror de quase dois metros de altura) várias preguiças e tatus gigantes. Dentre os carnívoros, haviam ursos, tigres-dente-de-sabre, hienas marsupiais, onças atualmente extintas, cobras e crocodilos imensos e muitos outros animais.27 28 29 30
Os animais da era Cenozoica já estão extintos. Algumas linhagens desapareceram completamente, enquanto outras conseguiram sobreviver, evoluir, até se tornarem os animais que conhecemos atualmente. Podemos não ter grandes aves-do-terror, mas sua parente mais próxima, a seriema, vive até hoje. Não temos ursos no Brasil, mas ainda há uma espécie, o urso-de-óculos, que vive na Cordilheira do Andes.
Centenas de ossos e pegadas fósseis já foram encontradas em diversos locais do Brasil, muitos ainda serão descobertos. Entretanto, muitos fósseis não foram preservados, e talvez nunca saibamos completamente quais animais viveram aqui.
Leia mais em:
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El País - Descoberta a Zelândia, um enorme continente submerso no Pacífico ↩︎
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El País - Achados restos de um continente perdido sob o oceano Índico ↩︎
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Carneiro, Celso & Mizusaki, Ana & Almeida, Fernando. (2015). A determinação da idade das rochas. Terrae Didatica. 10.20396/td.v1i1.8637442 ↩︎
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ANELLI, Luiz Eduardo. Dinossauros e outros monstros: uma viagem à pré-história do Brasil . São Paulo: Peirópolis; Edusp, 2015. ISBN: 8575964216. ↩︎
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Spiekman SNF, Fraser NC, Scheyer TM. 2021. A new phylogenetic hypothesis of Tanystropheidae (Diapsida, Archosauromorpha) and other “protorosaurs”, and its implications for the early evolution of stem archosaurs. PeerJ 9:e11143 https://doi.org/10.7717/peerj.11143 ↩︎
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UC Museum of Paleontology - Introduction to the Synapsida ↩︎
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Descrição osteológica de um exemplar de Endothiodon (synapsida, Dicynodontia) proveniente da Serra do Cadeado (formação Rio do Rasto, Permiano Superior) e suas implicações bioestratigráficas e paleobiogeográficas ↩︎
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Martill, David & Tischlinger, Helmut & Longrich, Nicholas. (2015). A four-legged snake from the Early Cretaceous of Gondwana. Science. 349. 416-9. 10.1126/science.aaa9208 . ↩︎
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Carvalho, I. de S., Novas, F. E., Agnolín, F. L., Isasi, M. P., Freitas, F. I., & Andrade, J. A.. (2015). A new genus and species of enantiornithine bird from the Early Cretaceous of Brazil. Brazilian Journal of Geology, 45(Braz. J. Geol., 2015 45(2)). https://doi.org/10.1590/23174889201500020001 ↩︎
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A ‘caçada’ a ovos de pterossauro em cidade do interior do Paraná ↩︎
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Nova espécie de dinossauro é descoberta em Cruzeiro do Oeste ↩︎
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Kellner, A. W., Azevedo, S. A. K., Machado, E. B., Carvalho, L. B. de ., & Henriques, D. D. R.. (2011). A new dinosaur (Theropoda, Spinosauridae) from the Cretaceous (Cenomanian) Alcântara Formation, Cajual Island, Brazil. Anais Da Academia Brasileira De Ciências, 83(An. Acad. Bras. Ciênc., 2011 83(1)). https://doi.org/10.1590/S0001-37652011000100006 ↩︎
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Vidence of Abelisauridae (carnosauria: Saurischia) from the late Cretaceous of the Paraná Basin* ↩︎
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D.A.CAMPOS, A.W.A.KELLNER, R.J.BERTINI & R.M.SANTUCCI On a Titanosaurid (Dinosauria, Sauropoda) Vertebral Column from the Bauru Group, Late Cretaceous Of Brazil ↩︎