Peixes-de-bico do Oceano Atlântico
Os agulhões e espadartes são grandes predadores marinhos conhecidos como “peixes-de-bico” devido aos seus longos focinhos. Esses peixes podem ser encontrados desde os 10 m até 800 m de profundidade – variando conforme a espécie.1 Seus olhos grandes sugerem que são predadores altamente visuais, adaptados para maximizar o desempenho visual tanto em águas rasas iluminadas pela luz do sol quanto em grandes profundidades oceânicas.
Muitos peixes que vivem em águas prundas são geralmente afetados pela queda na temperatura da água reduzindo a temperatura corporal, o metabolismo e a eficiência. No entanto, peixes como os espadartes, agulhões, alguns atuns e várias espécies de tubarões são capazes de manter suas temperaturas corporais acima da temperatura da água quando caçam nesses locais.
Isso é possível devido a um sistema de aquecimento altamente especializado, que aquece seus olhos e o cérebro de 10° a 15° C acima da temperatura do ambiente. O aquecimento da retina faz com que os agulhões e espadartes possam detectar e perseguir uma presa em alta velocidade com muito mais facilidade.
Dependendo da profundidade do mergulho, o aquecimento pode tornar a resolução temporal até dez vezes mais veloz do que os peixes incapazes de aquecer seus órgãos. Os olhos e o cérebro aquecidos proporcionam uma vantagem crucial sobre presas ágeis a esses predadores oceânicos altamente visuais. 2 3
Espadarte (Xiphias gladius)
O focinho do espadarte é o maior dentre todos os peixes-de-bico, chegando a medir um terço do corpo. Apesar de em inglês ser chamado de “swordfish” que significa “peixe-espada” esse termo, em português, é usado para se referir a apenas ao Lepidopus caudatus – um peixe não relacionado ao espadarte.
Sugere-se que o longo focinho do espadarte seja uma adaptação que melhora a hidrodinâmica de seu nado. No entanto, alguns estudiosos acreditam que os utilizem para ferir ou matar suas presas devido aos pedaços de seus bicos encontrados cravados em tubarões , baleias e outros grandes peixes.
É um peixe que normalmente atinge os 3 m e mais de 100 kg, mas há registros de indivíduos com mais de 500 kg e até 4,5 m de comprimento. Graças ao seu porte, os únicos animais grandes e rápidos o suficiente para capturar e matar um espadarte adulto (mesmo que isso os coloquem em perigo) são orcas, cachalotes e grandes tubarões como o anequim. Os jovens, no entanto, são alvos fáceis e comumente caçados por peixes maiores.
Usando uma grande linha de 80 a 200 km,4 onde são presas de 800 a 1.200 linhas secundárias com anzóis iscados, o espadarte é pescado no Brasil em grande escala desde os anos 50. Esse método é conhecido como “pescaria de espinhel”, e também é usado para pescar atuns, cações e dourados-do-mar.5
Os impactos da pesca nas populações de espadartes têm sido acompanhados e analisados desde os anos 80. Ainda que a pesca, até o momento, não esteja completamente sob controle, os espadartes são abundantes – estando classificados como “Pouco Preocupantes” na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).1
Agulhão (Istiophoridae)
Existem outros peixes que também são erroneamente chamados de peixe-espada e frequentemente confundidos como espadarte. São os da família Istiophoridae – conhecidos como marlins, espadins ou agulhões. Apesar de, à primeira vista, os espadartes e os agulhões serem parecidos, possuem várias características que os tornam facilmente diferenciáveis.
Assim como o espadarte, os agulhões possuem um focinho comprido, porém o seu é cônico como uma agulha, e o do espadarte, plano. A principal característica dos agulhões é a sua longa e flexível barbatana dorsal, que se abre como um leque ou crista – a dos espadartes, por outro lado, se diferencia por ser rígida e pontuda como a de um tubarão.
Enquanto os espadartes costumam ser acinzentados, os agulhões chamam a atenção por suas cores fortes e contrastantes. Tamanha é a sua beleza, que se tornaram sinônimos de grandes conquistas para a pesca esportiva.
Taxonomia
Há controvérsias sobre a quantidade de gêneros e espécies de agulhões, consequentemente, a delimitação da área de ocorrência de cada espécie também é confusa.6
Apesar disso, são considerados válidos entre três e cinco gêneros, sendo eles: Istiophorus, Makaira, Kajikia, Istiompax e Tetrapturus. Esses gêneros comportam entre nove e doze espécies, dentre as quais seis são consideradas habitantes do Oceano Atlântico e da costa brasileira.7
Istiophorus
Embora certos estudiosos afirmem haver duas espécies do gênero – o agulhão-do-indo-pacífico (I. platypterus) e o agulhão-do-atlântico (I. albicans) – um estudo de 2006 afirmou que não há evidências sólidas de que sejam espécies distintas. O agulhão-do-indo-pacífico, no entanto, é maior (cerca de 100 kg) do que o agulhão-do-atlântico (cerca de 68 kg).8
Agulhão-do-Atlântico (I. platypterus)
O agulhão-do-atlântico, agulhão-bandeira ou agulhão-vela é uma das espécies mais emblemáticas e facilmente reconhecíveis por suas nadadeiras extremamente grandes e coloridas. No oceano Indo-Pacífico (onde também habita), a espécie pode alcançar mais de 3 metros de comprimento.
É também a espécie mais capturada durante a pesca de atuns usando espinhel na região Nordeste do Brasil. Apesar disso, pelo fato de ser relativamente comum em ambos os oceanos e por não haver nenhuma indicação de declínio generalizado, o agulhão-vela está listado como “Menos Preocupante” na Lista Vermelha da IUCN.6
Makaira
O gênero Makaira, costuma ser dividido em duas espécies: o espadarte-azul (M. nigricans) e o espadarte-azul-do-indo-pacífico (M. mazara). Mas, assim como o gênero Istiophorus, análises indicam não haver divergência entre os indivíduos do Atlântico e os do Indo-Pacífico — sendo, até o momento, somente uma espécie que se reproduz separadamente em cada oceano.6
Agulhão-negro (M. nigricans)
Também conhecido como marlim-azul e espadim-azul, a espécie habita águas tropicais e temperadas do oceano Atlântico e Indo-Pacífico. É uma das espécies mais procuradas pela pesca esportiva ao redor do mundo. Da mesma forma, é alvo de sobrepesca devido a sua frequente captura como fauna acompanhante de atuns durante pescas de espinhel no oceano Atlântico.7
É uma espécie de grande porte, com um comprimento máximo de 3,75 m e chegando a pesar 580 kg. O espadarte-azul é uma das poucas espécies da família dos agulhões que se encontra vulnerável à extinção.6
Kajikia
O gênero Kajikia também é atualmente dividido em duas espécies: o marlim-branco ou agulhão-branco (K. albida) e o marlim-listrado (K. audax). Apesar de serem aparentemente espécies diferentes, as análises genéticas não foram concretas, portanto não há consenso quanto à existência de duas espécies. Estima-se que o gênero tenha se dividido muito recentemente — por isso, os métodos mais tradicionais de identificação molecular são menos eficientes.
Agulhão-branco (K. albida)
Inicialmente foi classificada como sendo Tetrapturus albidus, mas atualmente o nome cientificamente aceito para a espécie é Kajikia albida – segundo o World Register of Marine Species.9
A espécie atinge um comprimento máximo de 2,80 m e pode pesar até 82 kg, mas a maioria dos capturados têm em torno de 1,65 cm e pesam em média de 20 a 30 kg.
Apesar de, no Brasil, não ser pescado propositalmente, o país é o segundo que mais captura agulhões-brancos junto à pesca de atuns e espadartes devido a sua abundância no lado oeste do Atlântico sul. Está densamente distribuído de maio a outubro no Nordeste do Brasil e de novembro a abril no sul do Brasil e Argentina.
Juntamente ao agulhão-negro (M. nigricans) e o agulhão-do-atlântico (I. platypterus), constitui as principais espécies de agulhões capturadas no oceano Atlântico e também encontra-se vulnerável à extinção.6,10
Tetrapturus
Apesar de haver divergências nas classificações de agulhões em todos os gêneros, o gênero Tetrapturus é o mais incerto. Atualmente, existem quatro espécies aceitas: agulhão-redondo (T. georgii), agulhão-verde (T. pfluegeri), agulhão-do-mediterrâneo (T. belone) e o agulhão-de-bico-curto (T. angustirostris).
Embora o agulhão-redondo seja geneticamente o mais distinto dos quatro, sua espécie foi recentemente confirmada como válida. Semelhantemente, o agulhão-verde e o agulhão-do-mediterrâneo foram, até recentemente, considerados como a mesma espécie.6
Destas quatro espécies, duas são encontradas em águas brasileiras: o agulhão-verde e o agulhão-redondo.
Agulhão-verde (T. pfluegeri)
O agulhão-verde, agulhão-estilete ou espadim-bicudo é um dos menores agulhões, atingindo no máximo 2 m de comprimento e 45 kg. Mas geralmente o comprimento capturado pelo espinhel ao longo das zonas de pesca do Atlântico é de 1,65 cm.11
Assim como outros agulhões, apesar de não ser alvo da pesca comercial, é capturado como fauna acompanhante por habitar e apresentar dieta similar aos peixes de alto valor comercial. Também é bastante capturado nas pescarias esportivas assim como os agulhões-brancos, negros e velas.12 Apesar disso, a espécie não gera preocupações em relação a sua população, estando classificada como “Pouco Preocupante” na lista vermelha de animais ameaçados.6
Agulhão redondo (T. georgii)
A presença dessa espécie, inicialmente limitada à Sicília, Estreito de Gibraltar e às águas em torno da Ilha da Madeira, foi recentemente estendida para o Atlântico a partir do seu registro feito por observações científicas.
É uma das menores espécies de agulhão, com o maior exemplar (medindo 2 m), sendo capturado por um barco pesqueiro venezuelano.13
Os agulhões redondo (T. georgii) e verde (T. pfluegeri), são comumente confundidos com o agulhão-branco (K. albida) pelos pescadores por serem muito semelhantes. Como o agulhão-branco tem sua comercialização proibida, é necessário que sejam identificados corretamente – comparando principalmente, o formato de suas nadadeiras.14
Além de cumprir com a lei, tal identificação ajuda a estimar a situação populacional da espécie que até o momento consta em “Dados Deficientes” 6
Pesca e Conservação
Apesar de a pesca com espinhéis ser mais seletiva do que a rede de arrasto, por exemplo, é inevitável que ocorra a captura de espécies acompanhantes.11 Mas, em todo o Brasil a Instrução Normativa da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (INSEAP Nº 12/2005) proíbe a venda de agulhões-brancos, negros, verdes e vela, assim como também é proibido que os animais que já estiverem mortos no momento do recolhimento dos anzóis sejam jogados de volta ao mar.
Dessa forma, os agulhões-negros e brancos que estiverem vivos quando o recolhimento dos anzóis for feito devem ser obrigatoriamente devolvidos ao mar. Mas a pesca com espinhel captura frequentemente peixes que não resistem por muito tempo, sendo encontrados mortos no momento da recolhida do espinhel.
Nesses casos, todos os agulhões-brancos ou negros que estiverem mortos devem ser levados à terra e doados a instituições científicas ou outras com fins beneficentes.15 Essa medida nacional pode ter sido o que influenciou o grande declínio da captura de agulhões-negros no país, a partir de 2004.
Historicamente, o Brasil é o maior responsável pela captura acidental de agulhões no oceano Atlântico, sendo assim um dos principais contribuintes para a mortalidade dessas espécies devido à pesca. 7
Mesmo sendo frequentemente capturados pela pesca acidental em todo o mundo, os agulhões estão em sua maioria listados como “Menos Preocupantes” ou no máximo como “Vulneráveis” – os níveis mais baixos de ameaça de extinção segundo a Lista Vermelha da IUCN.
Isso se deve ao fato de serem amplamente distribuídos em todos os oceanos, de serem relativamente comuns e de não haver nenhuma indicação de declínio generalizado – mesmo que muitos aspectos da biologia das espécies ainda não sejam totalmente compreendidos.6,7
Leia mais em:
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ICMBio - Estudos biológico-pesqueiros do espadarte (Xiphias gladius, Linnaeus, 1758) capturado pela frota de espinhel-de-superfície sediada em Itajaí (SC), no Atlântico Sdoeste. ↩︎
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Current Biology - Warm Eyes Provide Superior Vision in Swordfishes ↩︎
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National Institutes of Health (NIH) - Structure of the brain and eye heater tissue in marlins, sailfish, and spearfishes ↩︎
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Repositório Ifes - Caracterização da Pesca de Espinhel no Município de Piúma - Espirito Santo ↩︎
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Repositório Institucional UNESP - Delimitação de espécies da família Istiophidae e de estoques genéticos do agulhão-vela Istiophorus platypterus no Oceano Atlântico ↩︎
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ATTENA - Repositório Digital da UFPE - Utilização de habitat e movimentos migratórios do Agulhão Negro (Makaira nigricans) no oceano Atlântico Sul ↩︎
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Ingenta Connect - Phylogeny of recent billfishes (Xiphioidei) ↩︎
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ATTENA - Repositório Digital da UFPE - Distribuição e Abundância Relativa do Agulhão Branco (Tetrapturus albidus Poey, 1860) Capturado No Oceano Atlântico. ↩︎
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Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - Modelos lineares generalizados no estudo de proporções de agulhões vela (Istiophorus albicans) e verde (Tetrapturus pfluegeri) na pesca de atuns com espinhel no oceano Atlântico ↩︎
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ResearchGate - Hábito alimentar do Agulhão-Verde, Tetrapturus pfluegeri (Robins & de Sylva, 1963), (Teleostei-Istiophoridae), capturado no Atlântico Oeste Tropical ↩︎
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UniSanta - Dados Preliminares Acerca do Hábito Alimentar do Agulhão Redondo, Tetrapturus georgii (lowe 1840) Capturado no Atlântico Oeste Tropical ↩︎
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Instituto de Pesca - Análise da pesca da frota atuneira do estado de São Paulo: ênfase aos agulhões ↩︎
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ICMBio - Instrução normativa SEAP/PR n° 12, de 14 de julho de 2005 ↩︎