Tudo Sobre Animais

Como realmente vivem os morcegos?

Os morcegos são motivo de medo para a maioria das pessoas, principalmente por sua aparência estranha, por viverem em lugares escuros e muitas vezes desagradáveis. Além disso, alguns são transmissores de doenças em potencial e popularmente conhecidos como sugadores de sangue.

São também frequentemente associados à maldade e o misticismo, em grande parte, por influência das grandes mídias que os associaram às lendas europeias sobre mortos que voltavam à vida e sugavam sangue de pessoas. Devido a todo esse conceito, os morcegos são muito pouco conhecidos e, mesmo assim, repudiados.

Os morcegos consistem em cerca de 20% de todos os mamíferos e fazem parte da segunda maior família de animais placentários — logo após os roedores.1 São encontrados principalmente em áreas tropicais e semitropicais ao redor de todo o planeta. Atualmente, há mais de 1.400 espécies descritas e cerca de 180 oficialmente registradas no Brasil.2 3

Sendo animais tão numerosos, não é de se estranhar que haja morcegos com todas as formas e tamanhos, podendo ser desde o menor mamífero do mundo com apenas 3 cm de envergadura (Craseonycteris thonglongyai) ou até ser o maior mamífero voador com 1,7 m de envergadura (Acerodon jubatus).

Os morcegos também são os únicos mamíferos capazes de voar, alguns animais como o esquilo-voador conseguem planar durante longos saltos, porém não de fato voar. O morceguinho-das-casas (Tadarida brasiliensis) de apenas 9 cm, é a espécie mais rápida do mundo — podendo atingir até 160 km/h.4

Os morcegos são costumeiramente separados em duas subordens: a Megachiroptera, e a Microchiroptera:

Megachiroptera

Raposa-voadora Pteropus poliocephalus

Raposa-voadora (Pteropus poliocephalus). Imagem de Natasha sob a licença CC-BY-NC via iNaturalist

Há 150 espécies morcegos da subordem Megachiroptera espalhadas nas regiões tropicais do sudeste da Ásia, Austrália, África e Índia — não habitando o Brasil. Correspondem a apenas uma família, a das raposas-voadoras, e recebem tal nome por seu focinho fino, semelhante ao de uma raposa.

Ao contrário do que o consenso popular diz sobre morcegos em geral, raposas-voadoras têm uma ótima visão em cores, tão boa ou possivelmente melhor do que a dos humanos. Além disso, não possuem cauda, ornamentações faciais nem orelhas grandes, ou seja, não possuem adaptações para o uso de ecolocalização, pois se orientam pela visão — com exceção de apenas uma espécie.3

Microchiroptera

Vampyriscus bidens

Vampyriscus bidens. Imagem de Leonardo Merçon sob a licença CC-BY-NC via iNaturalist

Existem 17 famílias e 930 espécies desses morcegos espalhadas pelo mundo, não habitando apenas as regiões polares e algumas ilhas. No Brasil, existem nove famílias e 167 espécies conhecidas.3

Diferentemente raposas-voadoras, os olhos dos morcegos da subordem Microchiroptera são pequenos e pouco desenvolvidos, portanto, não enxergam muito bem, mas não são cegos. Apesar de sua pouca visão, usam-na para orientação enquanto viajam entre seus poleiros e áreas de alimentação — já que sua ecolocalização é eficaz apenas em curtas distâncias.

A ecolocalização é criada ao emitirem sons de alta frequência pela boca ou pelo nariz. As espécies que produzem som pelo nariz geralmente têm uma membrana acima das narinas, chamada “folha nasal”, que pode ajudar a direcionar o som, mas sua função exata ainda não é conhecida.5

Quando emitem o eco, uma série de ondas sonoras é enviada em certa direção e rebatida de volta para o morcego, que consegue saber a direção, tamanho e distância de presas, predadores ou obstáculos. Os morcegos piscívoros, por exemplo, conseguem localizar um peixe através das ondas formadas pelo seu movimento na superfície da água.

Os morcegos usam muitos sons não audíveis para os humanos para outros propósitos como agressão, comunicação e acasalamento, mas também emitem sons audíveis.6

De onde eles vieram?

Fóssil de Icaronycteris index

Fóssil de Icaronycteris index. Imagem de Andrew Savedra sob a licença CC-BY-SA via Wikimedia Commons

Encontrar evidências fósseis do início da evolução dos morcegos têm sido um desafio devido ao seu esqueleto delicado, leve e pequeno que não fossiliza facilmente. Além disso, as condições ambientais em que viviam também não favorecem a fossilização, portanto, a origem dos morcegos continua enigmática até hoje.

O mais antigo e completo fóssil de morcego foi descoberto em rochas do período Eocênico — o mesmo em que também surgiram a maioria dos mamíferos verdadeiros . Mas, contrário dos mamíferos da época, a fisiologia desse morcego pré-histórico (Icaronycteris index), é similiar à de um Microchiroptera que conhecemos atualmente.

Isso demonstra que os morcegos praticamente não mudaram nos últimos 60 milhões de anos. A falta de evidências oficiais de espécie intermediária entre os mamíferos ancestrais e os morcegos como os que conhecemos atualmente, sugere que os morcegos que conhecemos hoje evoluíram muito antes dos outros mamíferos atuais.3 7

Estima-se que apenas 12% de todas as espécies de morcegos que já existiram foram descobertas. Apesar disso, considera-se que descendem de pequenos mamíferos escaladores, e que seus dedos e membranas interdigitais foram gradualmente se alongando até se tornarem as asas que vemos atualmente.

Todos os morcegos se alimentam de sangue?

Morcego-beija-flor (Glossophaga soricina)

Morcego-beija-flor (Glossophaga soricina). Imagem de Edson e Lourdes Ventura sob a licença CC-BY-NC via iNaturalist

Os morcegos são um dos grupos de animais placentários mais diversos em relação aos hábitos alimentares. Os carnívoros costumam ser os maiores entre os Microchiropteras: são caçadores de pequenos vertebrados como répteis , pássaros , anfíbios , pequenos mamíferos e também grandes insetos .

Os onívoros costumam se alimentar de insetos , néctar, pólen, pequenos invertebrados e frutas. Os piscívoros com seus pés grandes, fortes e adaptados em forma de garra, são habilidosos na pesca. Existem morcegos que são principalmente frugívoros, mas também podem se alimentar de insetos ocasionalmente.

Já os nectarívoros e polinívoros conseguem extrair proteínas do pólen e carboidratos do néctar das plantas. São caracterizados pelo seu focinho alongado, língua extremamente comprida e pelos adaptados para transportar pólen. As flores de algumas plantas muito conhecidas como o jambeiro, o pequizeiro e o abacateiro são polinizadas por eles.3

Embora várias espécies comam diferentes tipos de alimentos, cerca de três quartos são insetívoros.8 O comportamento noturno dos morcegos oferece vantagens principalmente para essas espécies, pois é à noite que muitos insetos saem de seus esconderijos.

Então quais morcegos chupam sangue?

Morcego-vampiro-comum (Desmodus rotundus)

Morcego-vampiro-comum (Desmodus rotundus). Imagem de Douglas Meyer sob a licença CC-BY-NC via iNaturalist

De todas as 930 espécies que habitam o Brasil, somente três se alimentam de sangue, são elas: Desmodus rotundus, Dyphilla ecaudata e Diaemus yungi.

Longe de serem criaturas ferozes que atacam e mordem qualquer pessoa ou animal que estiver em sua frente, os morcegos-vampiros são mais comuns em áreas rurais, onde se alimentam principalmente de sangue de gado e outros ungulados.

Para isso, costumam pousar ou caminhar cuidadosamente até o ombro, ou casco do animal onde fazem uma pequena incisão e aplicam as propriedades anticoagulantes de sua saliva. Dessa forma, é capaz de se alimentar facilmente, lambendo o sangue que escorre.

A mordida do morcego por si própria não costuma trazer danos, exceto se o morcego estiver contaminado com raiva. No entanto, a ferida pode causar infecções secundárias e atrair parasitas.5

Todos os morcegos têm raiva?

Tonatia bidens

Tonatia bidens. Imagem de Roberto Leonan Morim Novaes sob a licença CC-BY-NC via iNaturalist

A raiva ocorre naturalmente em muitos animais selvagens, e o morcego é apenas um deles. Independentemente do hábito alimentar, um animal pode morder quando perturbado ou indevidamente manipulado, seja por autodefesa ou como fonte de alimento (nos raros casos de ser mordido por um morcego hematófago). Se o animal portar o vírus da raiva, poderá infectar qualquer pessoa ou animais mordidos.

Muitas espécies não hematófagas também são portadoras do vírus da raiva, porém, segundo um estudo feito em 2018 pela Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba, apenas o morcego-vampiro D. rotundus é responsável pela propagação do vírus para herbívoros e o homem.

Casos de raiva em pessoas transmitida por morcegos são extremamente raros quando comparado às infecções advindas de outros animais. Entre 1990 e 2017, foram registrados anualmente menos de cinco casos em todo o Brasil.

No entanto, nos últimos anos, os morcegos hematófagos têm sido causadores de grande parte dos casos de humanos infectados nas Américas, principalmente na região Amazônica. A quantidade de ocorrências tende a crescer segundo o aumento do desmatamento no país, seja para a construção de hidroelétricas, criação de plantações e pastos ou crescimento do mercado imobiliário.

A destruição de seu habitat faz com que sejam obrigados a procurar locais mais próximos às cidades para se abrigar e se reproduzir, aumentando o contato com o gado e os humanos.9

O que fazer se um morcego entrar na minha casa?

Morcego-beija-flor

Morcego-beija-flor. Imagem de Tomáz Nascimento de Melo sob a licença CC-BY-ND-NC via iNaturalist

Nas áreas urbanas, os morcegos podem se esconder em uma diversidade de locais escuros e fechados; entre cumeeiras, forros, juntas de prédios, chaminés, dutos de ventilação, porões, sótãos, garagens ou outros locais pouco frequentados.

Caso um morcego entre numa residência deve-se, se possível, isolar a área em que o animal se encontra e entrar em contato com os telefones de emergência da sua cidade que enviará uma equipe para retirar o animal. Cabe ressaltar que nenhum morcego deve ser manipulado por pessoas inexperientes, especialmente os que estiverem no chão, pois há mais chances destes portarem o vírus da raiva.

A presença de morcegos em prédios e residências também pode ocasionar acúmulo de fezes, causando além de odores desagradáveis, possíveis doenças respiratórias. Deve-se, portanto, vedar todos os acessos desses animais ao ambiente interno, evitando que sirvam de abrigo. Após a vedação, os dejetos dos morcegos deverão ser umedecidos e removidos. Ao realizar este procedimento, a pessoa deve estar protegida com luvas e máscaras ou pano úmido sobre o nariz e boca.

Caso a pessoa seja mordida por um morcego, deverá procurar orientação médica imediata, pois se não tratada rapidamente, a infecção por raiva pode ser fatal. Em caso de contato com animais domésticos, deve-se procurar assistência veterinária ou entrar em contato com o Controle de Zoonoses.8

Por que não devemos matá-los?

Artibeus planirostris

Artibeus planirostris. Imagem de Alexandre Callou Sampaio sob a licença CC-BY-NC via iNaturalist

Apesar de ser recomendado manter distância, na natureza os morcegos executam um importante papel ecológico na recuperação de áreas desmatadas, devido à sua alimentação que contribui para a dispersão de sementes, polinização e para o controle de insetos.9

Alguns cientistas botânicos afirmam que os frugívoros e nectarívoros são os mais importantes dispersores dentre todos os mamíferos. Além disso, estimam que esses morcegos polinizam pelo menos 500 espécies de plantas — muitas destas economicamente relevantes para os humanos como fonte de alimento como a goiabeira, a bananeira e a mangueira.

Os morcegos insetívoros, por outro lado, podem devorar mais insetos do que o equivalente em seu próprio peso em apenas uma noite. Algumas espécies também conseguem capturar por hora até 500 insetos , sendo muitos destes, pragas para as plantações ou daninhos ao homem — como o mosquito-palha e o mosquito-da-dengue.3

Mesmo sendo os mais temidos, os morcegos-vampiros têm auxiliado estudos e pesquisas na medicina devido às substâncias anticoagulantes presentes em sua saliva — fator que tem sido importante para a elaboração de remédios anticoagulantes e medicamentos para o tratamento de trombose e vítimas de acidentes vasculares.10


Confira abaixo um vídeo do biólogo Richard Rasmussen, onde é mostrado como os morcegos-vampiros se alimentam. No vídeo, também é possível perceber que, apesar do sangramento ao ser mordido, a mordida do morcego não causa ao homem maiores problemas se os devidos cuidados médicos forem tomados.

Leia mais em:


  1. NBCI - Phylogenomic analyses of bat subordinal relationships based on transcriptome data  ↩︎

  2. Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros - Morcegos  ↩︎

  3. Universidade Estadual de Londrina - Morcegos do Brasil  ↩︎

  4. NBCI - Airplane tracking documents the fastest flight speeds recorded for bats  ↩︎

  5. Smithsonian - The Art and Science of Bats  ↩︎

  6. Oxford Academic - Molecular Biology and Evolution - Molecular Evolution of Bat Color Vision Genes  ↩︎

  7. NBCI - Development of bat flight: Morphologic and molecular evolution of bat wing digits  ↩︎

  8. Prefeitura de São Paulo - Morcegos  ↩︎

  9. Repositório Institucional Unesp - Positividade para o vírus da raiva em morcegos no Estado de São Paulo e potenciais fatores de risco  ↩︎

  10. Aprag - Brasil tem 178 espécies de morcegos e só três se alimentam de sangue  ↩︎

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