Os animais mais inusitados do Brasil
Muitos animais brasileiros são conhecidos em todo o mundo por sua beleza. Outros animais, no entanto, se tornaram famosos por suas características singulares. Por mais estranhos que estes animais possam ser, estas adaptações físicas não se estabeleceram ao acaso, e sim, segundo a necessidade de sobrevivência de cada animal.
O Brasil é um dos países com a maior diversidade de animais, sendo assim, não há como definir com precisão quais animais poderiam ser classificados subjetivamente como os mais inusitados ou singulares. Porém, cinco animais (um de cada filo) foram escolhidos como exemplos da variedade da fauna brasileira.
Sapo-pipa (Pipa pipa)
O sapo-pipa, sapo-aru ou sapo-do-suriname é frequentemente usado como exemplo de tripofobia. É uma espécie de rã encontrada em quase toda a Floresta Amazônica, tanto no Brasil quanto em outros países da América do Sul. Embora tal classificação não seja aceita cientificamente, chamamos de rãs todos os anuros com pés traseiros palmados adaptados para a vida aquática — enquantos os sapos, vivem principalmente em terrenos mais secos. Você pode saber mais sobre a diferença entre sapos, rãs e pererecas clicando aqui .
Os sapos-pipas possuem no máximo 17 cm e o corpo quase completamente achatado, tornando-os parecidos a uma folha — característica que os ajuda a se camuflarem e evitar predadores. Passam a maior parte do tempo no leito dos rios e sobem à superfície a cada meia hora para poder respirar, raramente saindo da água.
Ao contrário de outros anuros, os sapos-pipas possuem olhos muito pequenos posicionados no topo da cabeça, não possuem dentes e nem língua. Devido a isso desenvolveram longos membros e dedos que não terminam em lóbulos redondos, e sim, em formato de pequenas estrelas.1 Esses dedos tão incomuns contêm órgãos sensoriais em suas pontas que os ajudam a localizar e capturar vermes, insetos aquáticos, crustáceos e pequenos peixes dos quais se alimentam.
Outra caracterítica que torna estes animais tão únicos é seu método de reprodução: após a fêmea liberar os ovos, o macho os fertiliza e os coloca nas costas da fêmea. Em seguida, uma espessa camada de pele cresce sobre os ovos deixando pequenas aberturas, tornando as costas da fêmea semelhante a sementes de lótus.
Após três ou quatro meses, os filhotes saem dos ovos e das costas da mãe, totalmente formados - não passando pelo estágio de girino. Embora seja uma maneira incomum, este método garante que seus filhotes estejam protegidos até que possam viver por conta própria.2
Urutau (Nyctibius spp.)
Também conhecidos como mães-da-lua e emenda-toco. Os urutaus são aves muito antigas, existindo sem grandes alterações físicas desde o Pleistoceno - o mesmo período em que os mamutes e preguiças-gigantes andavam pela terra.3
São aves noturnas nativas da América Central e do Sul. Das sete espécies existentes, cinco são encontradas na região da Bacia Amazônica, no entanto, o urutau-ferrugem (Phyllaemulor bracteatus) é o único que habita exclusivamente a Floresta Amazônica. O urutau-pardo (Nyctibius aethereus) e o urutau-grande (Nyctibius grandis) podem ser encontrados também em parte da Mata Atlântica, e o urutau-de-asa-branca (Nyctibius leucopterus) possui uma população isolada no sul da Bahia e no Espírito Santo. Já o urutau-comum (Nyctibius griseus), pode ser encontrado em todo o Brasil e outros países da América Central e do Sul.
Após estudos sobre a estrutura óssea e divergência genética das espécies realizados em 2009, o urutau-ferrugem deixou de ser parte do gênero Nyctibius (como todos os outros urutaus) e passou a ser o único membro de seu próprio gênero, o Phyllaemulor.4
Os urutaus se alimentam principalmente de insetos — mas pequenas aves, répteis e morcegos também podem fazer parte de sua dieta.
São conhecidos por sua ótima camuflagem que os torna semelhantes a troncos, fazendo-os passar quase imperceptíveis quando dormem imóveis nas árvores durante o dia. Possuem uma boca desproporcionalmente grande em comparação ao pequeno bico e uma característica única chamada “olho mágico”, que consiste em duas ou três pequenas fendas nas pálpebras que os permitem ver seus arredores mesmo com seus grandes olhos fechados5.
Caso a camuflagem não seja o suficiente para afastar possíveis ameaças, os urutaus arregalam os olhos e abrem bem suas bocas enquanto vocalizam para tentar intidimidar o predador ou voam para longe. Outra característica que os diferencia das outras aves é o fato de não construírem ninhos. Apenas botam um único ovo diretamente na ponta de um toco, que levam cerca de um mês para chocar.
Morcegos (Microchiroptera sp.)
Os morcegos são animais inusitados e que muitas pessoas veem como ratos voadores, porém, nem mesmo são roedores. Os morcegos são os únicos mamíferos voadores, e um dos poucos capazes de usar a ecolocalização. Apresentam combinações de hábitos e adaptações físicas que variam muito para cada espécie ou gênero segundo o hábito alimentar.
A maioria é insetívora, no entanto, há os que se alimentam de frutas, néctar, de pequenos vertebrados, e duas espécies que se alimentam de sangue. Os que se alimentam de insetos com carapaças duras costumam ter dentes maiores e em menor quantidade do que os que comem insetos macios. Já os que se alimentam de néctar têm focinhos longos, cerdas em suas línguas enormes que os ajudam a capturará-lo e o maxilar inferior é maior do que o superior — deixando-os com uma aparência estranha.
Os morcegos que caçam de peixes possuemm grandes bochechas caídas como os bulldogues e longos caninos e garras perfeitas para agarrar suas presas em movimento. Já os morcegos vampiros , normalmente se alimentam do sangue do gado ao fazerem uma pequena incisão, onde aplicam o anticoagulante de sua saliva e lambem as pequenas gotas de sangue que escorrem da ferida.
Portanto, nota-se que tamanha variedade alimentar e os métodos de caça afetam diretamente a anatomia destes animais. Enquanto algumas espécies como o morcego-de-pêlo-duro (Centronycteris maximiliani) podem ser consideradas aprazíveis outras, como o Furipterus horrens possui uma aparência tão inusitada que até mesmo seu nome científico o determina como “horrível”.
Apesar de geralmente terem uma aparência estranha, os morcegos possuem ótimo olfato, paladar e audição. As tantas dobras nos rostos e as grandes orelhas de muitas espécies as ajudam a direcionar e captar ondas sonoras em várias frequências com mais precisão.
Apesar de as espécies brasileiras se orientarem principalmente através da ecolocalização, não são cegas e podem distinguir variações na luminosidade do ambiente. Sua visão também é impressindível para orientação enquanto viajam entre seus locais de descanso e de alimentação — já que a ecolocalização só é eficaz em distâncias curtas.
Peixe-morcego (Ogcocephalus spp.)
Os peixes-morcegos gênero Ogcocephalus compreendem 12 espécies das quais dez estão distribuidas pelo Atlântico Ocidental. Quatro espécies habitam o litoral brasileiro: O. nasutus, O. notatus O. vespertilio e O. declivirostris6.
Esses peixes possuem uma série de estranhas adaptações físicas. Seus corpos são cobertos por pequenas protuberâncias irregulares formadas por escamas queratinizadas e cálcificadas com pequenos tufos felpudos espalhados. Além de servirem como armadura, essas modificações em suas escamas os ajudam a se camuflarem entre as rochas e fendas — onde passam o dia escondidos7.
Durante a noite saem para procurar alimentos enquanto caminham lentamente no leito do mar com a ajuda de suas nadadeiras pélvicas e peitorais que podem ser usadas como quatro pequenas pernas. Ao contrário do que acontece com a maioria dos outros peixes suas guelras não ficam nas laterais da cabeça e sim, após as nadadeiras peitorais, no meio do corpo.
Os peixes-morcegos e os tamboris fazem parte da mesma família. Os tamboris possuem um pequeno aparato alongado chamado “ilício” que consiste nos primeiros raios (linhas) unidos do que deveria ser sua barbatana dorsal, com uma pequena isca na ponta que balança e atrai outros peixes. Os peixes-morcegos, no entanto, se alimentam de crustáceos, moluscos, vermes poliquetas e equinodermos — seres que não exergam muito bem. Sendo assim, em vez de balançar sua isca, a adaptou para liberar um pequeno fluido que atrai suas presas8.
Além disso, seu ilício não fica amostra como nos tamboris, e sim, escondido em seu interior. Apenas quando o peixe quer liberar a substância é possível vê-lo rapidamente sendo estendido como uma pequena corda até a altura da boca7.
Mata-matá (Chelus spp.)
O mata-matá ou matámatá é um cágado que pode ser encontrado principalmente na região das bacias dos rios Amazonas, Orinoco e Negro.
Sua cabeça é achatada e triangular; seu focinho é longo e fino como um canudo; possui dois barbilhões sensitivos no queixo; uma boca grande; olhos extremamente pequenos e numerosas abas de pele e tubérculos cobrem sua cabeça e pescoço. Estes traços e as algas que cobrem tipicamente os indivíduos mais velhos, tornam os matámatás especilistas em se camuflar e capturar presas desapercebidas.
Os matámatás são carnívoros e se alimentam de peixes e invertebrados aquáticos. Eles usam sua aparência, semelhante a folhas e rochas, para se misturarem à vegetação do fundo de riachos de águas lentas enquanto esperam suas presas passarem para abocanhá-las9. Além disso, as abas de pele no pescoço também são extremamente sensíveis e os ajudam a detectar movimentos próximos.
É a maior espécie de sua família na América do Sul, seu casco pode medir mais de 45 cm9 e pesar até 21 kg.
Até recentemente era conhecida somente uma espécie, a Chelus fimbriata. No entanto, em 2020 foi formalmente classificada uma segunda espécie, a Chelus orinocensis. Esta, está distribuída nas bacias do Orinoco e do Rio Negro, já a Chelus fimbriata, na bacia Amazônica. Os que vivem no Orinoco geralmente possuem uma coloração mais clara e um casco mais ovalada, em comparação com os matámatás da Bacia Amazônica que são, além da coloração mais escura, caracterizados pelos contornos retangulares do casco9.
Embora o matámatá seja amplamente conhecido, sua história natural, estado de conservação e ocorrência são em grande parte desconhecidos. Com base principalmente em sua grande faixa de distribuição, os matámatás não são considerados sob ameaça imediata e foram classificados como “Menos Preocupante” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN e não estão incluídos em nenhum dos Apêndices da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção).
Apesar disso, há registros de que o matámatá-do-orinoco, costuma ser coletado para o comércio ilegal de animais de estimação na Colômbia e na Venezuela. No entanto, a frequencia da captura e seu impacto não são conhecidos. Portanto, é crucial recolher mais informações e avaliar sua exploração em toda a área de distribuição, para obter uma melhor compreensão do seu estado de conservação e criar programas de conservação e gestão adequados9.
Leia mais em:
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Gerald Mayr (2005) The Palaeogene Old World potoo Paraprefica Mayr, 1999 (Aves, Nyctibiidae): Its osteology and affinities to the New World Preficinae Olson, 1987, Journal of Systematic Palaeontology, 3:4, 359-370 https://doi.org/10.1017/S1477201905001653 ↩︎
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Costa, T.V.V., Whitney, B.M., Braun, M.J. et al. A systematic reappraisal of the Rufous Potoo Nyctibius bracteatus (Nyctibiidae) and description of a new genus. J Ornithol 159, 367–377 (2018). https://doi.org/10.1007/s10336-017-1511-2 ↩︎
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José Ignacio Borrero H, Notes on the Structure of the Upper Eyelid of Potoos (Nyctibius), The Condor, Volume 76, Issue 2, 1 April 1974, Pages 210–211, https://doi.org/10.2307/1366732 ↩︎
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Cavalcanti, Mauro José e Lopes, Paulo Roberto Duarte. Variação geográfica de caracteres quantitativos em Ogcocephalus vespertilio (Linnaeus) (Teleostei, Lophiiformes, Ogcocephalidae). Revista Brasileira de Zoologia online. 1998, v. 15, n. 1. Acessado 3 Setembro 2022, pp. 125-134. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-81751998000100010 . Epub 10 Jul 2009. ISSN 0101-8175. https://doi.org/10.1590/S0101-81751998000100010 ↩︎
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Gibran, FZ e Castro, RMC (1999), Atividade, comportamento alimentar e dieta de Ogcocephalus vespertilio no sul do Atlântico oeste. Journal of Fish Biology, 55: 588-595. https://doi.org/10.1111/j.1095-8649.1999.tb00701.x ↩︎
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Mario Vargas-Ramírez, Susana Caballero, Mónica A. Morales-Betancourt, Carlos A. Lasso, Laura Amaya, José Gregorio Martínez, Maria das Neves Silva Viana, Richard C. Vogt, Izeni Pires Farias, Tomas Hrbek, Patrick D. Campbell, Uwe Fritz, Genomic analyses reveal two species of the matamata (Testudines: Chelidae: Chelus spp.) and clarify their phylogeography,Molecular Phylogenetics and Evolution https://doi.org/10.1016/j.ympev.2020.106823 ↩︎