Seleção Natural e Artificial
Devagar, mas sempre precisa - a seleção natural tem ajudado os seres vivos a evoluir desde quando as primeiras formas de vida surgiram no planeta Terra. Por outro lado, apesar de frequentemente associarmos a seleção artificial com a ciência e a tecnologia, está presente desde muito antes de surgirem as primeiras civilizações humanas, sendo usada de maneira inconsciente nas plantações, no gado e em animais domésticos.
Seleção Natural
Após uma viagem de cinco anos para estudar plantas, animais e fósseis
na América do Sul e em ilhas do Pacífico, o naturalista inglês Charles Darwin criou a ideia da seleção natural. Em 1859, apresentou ao mundo em seu livro A Origem das Espécies
1, onde afirma que a seleção natural acontece de acordo com a “sobrevivência do mais apto” num ambiente natural sem a intervenção humana.
Animais de um mesmo grupo naturalmente possuem certas variações em seus organismos (sejam físicas ou metabólicas), o que significa que todos diferem entre si em alguns aspectos. Os que possuem características vantajosas, têm mais oportunidades de sobreviver, se reproduzir e passar tais características para alguns de seus descendentes.2
Com o passar das gerações, a característica herdada se torna um traço comum na população,1 fazendo com que tal grupo se torne mais adequado ao seu ambiente. Se houver alguma alteração no ambiente, a seleção natural fará com que os animais caminhem em uma direção diferente, adaptando-os a suas novas condições — atuando como uma espécie de peneira que remove os indivíduos inaptos.
O processo de seleção natural pode ocorrer de três formas:
Seleção estabilizadora: é o tipo mais comum de seleção natural. Ela mantém características úteis estáveis; qualquer característica diferente destas é descartada. Ou seja, animais que tenham características fora da média, são naturalmente eliminados.3
Um exemplo é a coloração da pelagem em vários animais, que está ligada à capacidade de se esconderem de predadores. Animais com pelagens que combinam mais com seus ambientes têm mais oportunidades de sobreviver do que aqueles com pelagens fora do padrão: a seleção estabilizadora resulta em uma coloração média que não é muito escura nem muito clara.4 Por isso, animais melânicos e principalmente albinos raramente sobrevivem na natureza por muito tempo.
Seleção direcional: provoca mudanças mais rápidas do que os outros tipos de seleção. É quando alguns indivíduos rapidamente adaptam determinada característica para manter suas populações.3 – tal como as mariposas Biston betularia.
Antes de 1800, essas mariposas tinham um padrão claro com pintas negras, e mariposas completamente escuras ou melânicas eram raras. Durante a Revolução Industrial, a fuligem e outros resíduos industriais se espalharam de tal forma, ao ponto de escurecer o tronco das árvores das quais as mariposas dependiam para se camuflar e se alimentar.2
Assim, as mariposas melânicas ficaram bem camufladas e tiveram mais oportunidades para sobreviver e se reproduzir. As mariposas claras, no entanto, se tornaram alvos fáceis para os pássaros. Dessa forma, em apenas 80 anos a Biston betularia de coloração escura se tornou muito mais comum por conta da poluição do ambiente, e a mariposa de cor clara passou a habitar apenas alguns locais, longe de áreas industriais.2 Essa mutação é conhecida como “melanismo industrial”.
Seleção separativa ou disruptiva: é quando animais com características específicas (ou “especializadas”) têm vantagem sobre outros.
Quando os recursos tornam-se mais escassos e a competição por eles aumenta, com o passar do tempo a seleção disruptiva pode dividir uma população completamente, formando espécies separadas. Em um nível muito mais amplo, a seleção disruptiva pode afetar uma variedade de características e levar uma população a se isolar reprodutivamente da população original.5
Os tentilhões de Charles Darwin, por exemplo, são pássaros que habitam a longa cadeia de ilhas conhecidas como Galápagos. Os tentilhões presentes nas ilhas foram rigorosamente estudados e vários padrões de evolução foram observados em diferentes populações em diferentes ilhas.5
Alguns tentilhões de bico curto se especializaram em abrir sementes, portanto, se tornaram mais comuns onde há muitas sementes no chão, já tentilhões com bicos longos se especializaram para conseguir alcançar o pólen e o néctar das flores de cactos.2 Descobriu-se também que o tamanho do bico não é importante apenas para coletar comida, como também altera as chamadas de acasalamento em várias espécies de tentilhões.5
Sendo assim, os tentilhões com bicos intermediários tiveram uma taxa de acasalamento mais baixa durante gerações e a população resultante quase não tem bicos de tamanho médio. Atualmente, as populações destas aves (uma vez uma única população), divergiram a tal ponto que são praticamente espécies separadas.5
A seleção natural só pode funcionar com variações existentes dentro de uma população. Tais variações e tipos de seleção acontecem devido a uma mutação (uma mudança em alguma parte do código genético de um traço já presente). Essas mutações surgem por acaso e sem previsão sobre ser vantajosa ou não. Noutras palavras, as variações não surgem porque são necessárias2 mas permanecem por serem uma adaptação necessária em certos momentos.
Seleção Artificial
Charles Darwin também criou o termo “criação seletiva”, ao observar que muitas plantas e animais domésticos apresentavam atributos desejáveis pelo criador e não pela capacidade de sobreviver e se reproduzir na natureza. Novas raças ou variedades foram e são criadas ao evidenciar nas gerações posteriores características como uma produção maior de carne, leite, lã, seda, ou aspectos como resistência, docilidade ou beleza. Não só isso, mas também ao serem eliminadas características indesejáveis.
A seleção artificial, mesmo que não intencional, avança junto à humanidade há milhares de anos, desde que os cães começaram a acompanhar os humanos há pelo menos 10 ou 15 mil anos.6 Nessa época, apenas os animais mais dóceis ficavam perto dos humanos, iniciando assim a seleção de espécimes para a criação do cão doméstico.
O experimento de Dmitry Belyaev
Para mostrar como os cães podem ter adquirido suas características domésticas por meio da seleção artificial, em 1950 o geneticista russo Dmitry Belyaev introduziu a seleção artificial num grupo de raposas-prateadas, uma variação escura da raposa-vermelha.
Após capturar o grupo de raposas selvagens, ele as criou em cativeiro e esperou que procriassem. A partir do primeiro mês de vida dos filhotes, Belyaev oferecia comida e tentava se aproximar deles uma vez por mês. Quando os filhotes cumpriram sete ou oito meses, apenas aqueles que gostavam do contato humano eram selecionados como os próximos reprodutores.7
Após 40 anos de seleção artificial e cerca de 20 gerações de raposas, as raposas passaram a se comportar como cães domésticos, choramingando para chamar a atenção, abanando o rabo, lambendo e sentando-se no colo de seus tratadores.7
As análises de Belyaev indicaram que o desenvolvimento físico e o comportamento social das raposas que criou também haviam mudado: seus olhos se abriam mais cedo e sua reação de medo foi iniciada mais tarde, aumentando o tempo para o vínculo social. Outro indicador que seu desenvolvimento foi afetado pelos mesmos genes que resultaram na domesticação, é o padrão de cores que formam uma estrela nos pelos da cara – frequentemente visto em outros cães domésticos.7
Além das mudanças comportamentais, houve também mudanças morfológicas em alguns indivíduos, como orelhas caídas (uma característica presente em todos os mamíferos domesticados, mas ausente em todos os mamíferos selvagens)7, pernas encurtadas, caudas curvadas para cima, alterações na mordida, e novos padrões e cores de pelagem.8
Apesar de ainda estar em andamento, o experimento de Belyaev e sua equipe recria o processo pelo qual os sucessores dos lobos foram domesticados há milhares de anos. As semelhanças marcantes de muitos dos comportamentos e atributos físicos de outros animais domésticos com os das raposas sugerem que o comportamento de todos esses animais seguiu uma trajetória evolutiva semelhante. A domesticação foi resultado da seleção introduzida pelos humanos para a mansidão.6 7 8
Problemas da seleção artificial
Não apenas os primeiros cães domésticos, como grande parte das raças de cães modernos foi criada e reproduzida por meio da seleção artificial. Por exemplo, antes de ser selecionado como um cão de companhia que satisfaz as preferências estéticas de muitas pessoas por sua fisionomia, os cães da raça pug possuíam pernas mais longas, menos dobras na pele e não tinham o focinho achatado ou os olhos saltados.
Muitas espécies de gatos , pássaros , coelhos , peixes ornamentais, vacas, cavalos , porcos e outros animais domésticos também passam por modificações genéticas para “melhorias” físicas e comportamentais que melhor atendam aos desejos dos humanos.
Embora a aplicação de novas tecnologias de melhoramento possa trazer benefícios aos seres humanos, o uso inadequado destas ferramentas tem potencial de criar ou intensificar problemas de bem-estar animal. Darwin já tinha reconhecido que alterações no tamanho e proporções do corpo podem acarretar em braquicefalia , pernas atarracadas, redução de alguns órgãos como o cérebro7 e uma série de outros problemas.
A literatura científica sobre seleção artificial é voltada aos benefícios para os seres humanos, sendo raramente oferecidas oportunidades de reflexão sobre o seu impacto em termos de sofrimento animal. Assim, os objetivos de seleção restritos às características associadas à estética e produção podem gerar alterações anatômicas nos animais, envolvendo desequilíbrio ou sobrecarga de seus corpos e comprometendo o comportamento e a saúde.9
Leia mais em:
-
ResearchGate - La Domesticación a Través de los Siglos: las Ideas de Darwin y el Experimento a Largo Plazo de Dmitry Belyaev en Zorros Plateados ↩︎
-
National Lupine Association - Early Canid Domestication: The Farm-Fox Experiment ↩︎
-
ResearchGate - Consequências da seleção artificial para o bem-estar animal ↩︎