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As peçonhentas pererecas-de-capacete

Há uma grande diversidade de animais venenosos espalhados por todo o muno, mas isso não significa que todos são necessariamente perigosos. Animais como o peixe baiacu, o pássaro pitohui e muitos anuros (rãs, sapos e pererecas) produzem toxinas em seu interior, mas são incapazes de expelir o veneno por conta própria.

Vários sapos , por exemplo, conseguem liberar suas toxinas apenas se uma força externa (como a boca de um animal ou a mão de uma pessoa) pressionar as glândulas de veneno subcutâneas que o animal tem espalhadas pelo seu corpo. Portanto, são considerados venenosos, mas não peçonhentos.

Animais peçonhentos são os que contém mecanismos capazes de transferir as toxinas produzidas dentro de seu corpo, para sua presa ou potencial predador. Esse é o caso das serpentes , com seus dentes semelhantes a agulhas; de escorpiões e abelhas com seus ferrões; e de peixes como os peixes-leões, peixes-anjos ou raias que têm toxinas nos espinhos de sua cauda.

Sendo assim, nenhum anuro era considerado peçonhento até recentemente.

Perereca-de-capacete Corythomantis Greeningi

Perereca-de-capacete Corythomantis Greeningi. Imagem de Alenilson sob a licença CC-BY-NC 4.0 via iNaturalist

No entanto, em 2015, o Dr. Carlos Jared, pesquisador do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan, descobriu uma espécie de anuro peçonhento quando foi acidentalmente espetado por uma perereca-de-capacete (Corythomantis Greeningi). Alguns anos depois, uma segunda espécie de perereca-de-capacete já conhecida (Aparasphenodon brunoi), também foi identificada como peçonhenta.

Características

As pererecas-de-capacete medem de 5 a 8, 5 cm — sendo que C. greeningi geralmente é maior. As duas são endêmicas do Brasil; enquanto a perereca-de-capacete da espécie C. greeningi vive em ambientes semi-áridos da Caatinga, a espécie A. brunoi habita a Mata Atlântica, desde o Sul da Bahia até o Norte de São Paulo, principalmente em áreas de restinga onde as bromélias são abundantes — pois é o principal abrigo dessas pererecas.

Essas pererecas utilizam uma tática chamada “fragmose”, que consiste em qualquer método pelo qual um animal se defende em sua toca usando seu próprio corpo como barreira. As pererecas-de-capacete, possuem crânios ossificados repletos de espinhos ósseos, semelhantes a farpas, que estão ligados às glândulas de veneno que ficam debaixo de sua pele.

Tal característica torna suas cabeças perfeitos escudos quando estes animais entram de costas em pequenas fendas. Dessa forma, usam suas cabeças achatadas e seus focinhos longos e pontiagudos para protegerem seus corpos de quaisquer predadores que tentem capturá-los em seus abrigos.1

Perereca-de-capacete Aparasphenodon brunoi

Perereca-de-capacete Aparasphenodon brunoi usando sua cabeça como escudo enquanto protege seu corpo dentro de uma bromélia. Imagem de Daniela Cerqueira Santos sob a licença CC-BY-NC

Além disso, as pererecas-de-capacete possuem uma segunda habilidade única entre os anuros, elas conseguem movimentar sua cabeça tanto lateral quanto verticalmente, desferindo golpes e fazendo com que seus espinhos funcionem como canalizadores e transfiram as toxinas de suas glândulas de veneno para o predador.2

Além de seu papel defensivo, o veneno também cria um método de aprendizagem, pois os que sofreran os efeitos dessas toxinas aprendem a evitar se alimentar das pererecas-de-capacete em encontros futuros.

Quando o Dr. Carlos Jared foi espetado pela perereca-de-capacte C. greeningi, relatou sentir dor intensa em todo o braço, e por não haver atendimento médico disponível nas proximidades, os sintomas permaneceram durante cinco horas! Em análises posteriores, foi constatado que o veneno da perereca-de-capacete também pode causar inchaço prolongado, além de apresentar certo nível de atividade necrosante e ter um alto grau de toxicidade. Pesquisas laboratoriais conduzidas com camundongos também demonstraram que, nestes animais, os efeitos das toxinas das pererecas-de-capacete podem permanecer por até 96 horas.1

Não obstante, o veneno produzido pela perereca-de-capacete C. greeningi é duas vezes mais letal do que o de uma jararaca , e o produzido pela espécie A. brunoi é 25 vezes mais letal. Apesar de a C. greeningi não ter um veneno tão potente, seus espinhos são maiores, permitindo uma liberação em maior quantidade, quando comparada à A. brunoi. Mesmo assim, durante a inserção de veneno, ambas são incapazes de injetar mais do que poucos miligramas, portanto, casos de acidentes em humanos seriam raros e não letais.

Existem outros anfíbios que provavelmente deveriam ser considerados venenosos, como certas salamandras (Echinotriton e Pleurodeles) com costelas que perfuram sua pele liberando glândulas de veneno e outras pererecas com espinhos na cabeça (Diaglena spatulata, Anotheca spinosa e Polypedates ranwellai). Porém, ainda faltam informações sobre a toxicidade de suas secreções e mais estudos são necessários antes de classificá-los de tal forma. É provável que os anfíbios peçonhentos sejam mais tóxicos e comuns do que se supunha anteriormente.2

Utilidade do veneno para humanos

Perereca-de-capacete Corythomantis Greeningi

Perereca-de-capacete Corythomantis Greeningi. Imagem de Frederico Acaz Sonntag sob a licença CC-BY-NC 4.0 via iNaturalist

Toxinas naturais têm sido utilizadas como medicamentos há centenas de anos. Atualmente, pesquisas sobre toxinas de origem animal têm contribuído muito na compreensão de problemas vasculares, processos inflamatórios, reações alérgicas, mecanismos de dor, asma entre outros.

Os venenos das serpentes , por exemplo, têm sido úteis no tratamento de várias doenças vasculares, circulatórias e em cicatrizações pós-cirúrgicas.3 Já a toxina do caracol-de-cone pode ser usado para criar remédios anticonvulsionantes e analgésicos.4 No caso do lagarto chamado monstro-de-gila, os componentes tóxicos de sua saliva podem ser usados para o tratamento de diabetes.

As toxinas das pererecas-de-capacete aqui mencionadas também estão inclusas na lista de venenos que podem trazer benefícios aos humanos. Sendo que, após análises laboratoriais compostos com possíveis atividades antitumorais foram identificados. Devido à resistência de alguns tumores às terapias, a busca por novos medicamentos antitumorais cresce cada vez mais. Ao mesmo tempo, muitos componentes venenosos de origem natural têm sido descobertos, podendo oferecer novas oportunidades para o tratamento de milhares de pessoas em um futuro próximo.1

Leia mais em:


  1. Repositório do Instituto Butantan - A biologia, as glândulas de veneno e a secreção cutânea da perereca da caatinga Corythomantis greeningi: um estudo integrativo  ↩︎

  2. Current Biology - Venomous Frogs Use Heads as Weapons  ↩︎

  3. Potencial Biótico - Quais são os remédios feitos com veneno de cobra?  ↩︎

  4. Com Ciência - Dos venenos a novas drogas de usos terapêuticos  ↩︎

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