Os jacarés do Brasil
Jacarés e crocodilos são fisicamente muito parecidos. Geralmente, são vistos como grandes répteis escamosos, com uma boca enorme e cheia de dentes pronta para abocanhar qualquer coisa que passe pela sua frente. Mas existem algumas formas fáceis de diferenciá-los: os jacarés possuem o focinho mais largo que os crocodilos, e na maioria das vezes, apenas os dentes superiores são visíveis quando a boca está fechada. Além disso, os crocodilos não fazem parte da fauna brasileira.
Existem apenas quatro gêneros de jacarés em todo o mundo, um deles é o Alligator, com uma espécie presente na América do Norte e uma da China. No Brasil e em outros países da América do Sul há três gêneros – Melanosuchus (uma espécie), Paleosuchus (duas espécies) e Caiman (três espécies).
Jacaré-açu (Melanosuchus niger)
O jacaré-açu ou jacaré-preto é o único membro do gênero Melanosuchus. É a maior espécie do Brasil, com os machos alcançando cerca de 4 m, mas alguns indivíduos de 6 m já foram encontrados — as fêmeas, no entanto, costumam ser menores, não passando dos 3 m. Assim como em todas as espécies de jacarés, os filhotes nascem com cores amarelas sobressalentes, e vão escurecendo conforme a idade.
Sendo um réptil de grande porte, está no topo da cadeia alimentar, e pode se alimentar de qualquer animal que esteja em seu habitat, como peixes , capivaras , veados , tartarugas e preguiças. Os únicos animais capazes de abater um jacaré-açu são as onças-pintadas e as sucuris — ainda assim, apenas os indivíduos menores e mais jovens podem ser abatidos.
As fêmeas de jacarés-açus buscam cuidar de seus filhotes por vários meses, mas, por nascerem grandes e quase independentes, a maioria não sobrevive até a maturidade.
No Brasil, o jacaré-açu está distribuído nas regiões Norte e Centro-Oeste, mas é na Bacia Amazônica que fica 70% de sua população. A espécie também está presente na Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e nas Guianas.
Jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris)
O jacaré-de-papo-amarelo tem esse nome porque a região do papo fica evidentemente amarelada durante a temporada de acasalamento. Embora o tamanho máximo relatado seja de 3,5 m, raramente ultrapassam os 2,5 m. Sua coloração costuma ser verde-oliva com listras pretas — quanto mais velho, mais escuro será. Essa pigmentação tem excelentes funções miméticas, tornando-os quase invisíveis entre a vegetação.
É caracterizado também por ter o focinho mais largo dentre todas as espécies de jacarés — adaptação usada para rasgar a densa vegetação dos pântanos e quebrar cascos de tartarugas . Devido a isso, acabam engolindo parte da vegetação quando procuram comida.
Surpreendentemente, os jacarés-de-papo-amarelo se alimentam principalmente de caracóis e outros moluscos, sendo um ótimo controlador de pragas transmissoras de esquistossomose — principalmente quando jovens. Mas outros répteis, mamíferos, peixes e aves também fazem parte de sua dieta.
No primeiro ano de vida, os filhotes ficam perto de onde nasceram e são cuidados por ambos os pais.
A distribuição geográfica da espécie parece seguir as principais bacias hidrográficas do rio Paraná e São Francisco. Mas fatores humanos alteraram sua distribuição, já que alguns trechos desses rios foram represados para a criação de hidroelétricas e grandes áreas também foram drenadas para fins agrícolas. Além disso, a poluição tem sido um problema considerável nos rios que correm através de grandes cidades no Brasil.
Apesar de ameaçado pela urbanização, o jacaré-de-papo-amarelo pode ser avistado em alguns rios e lagos de cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis e São Paulo. Também pode ser encontrado com menos frequência em águas salgadas e salobras de manguezais e ilhas costeiras no sudeste do Brasil.
Jacaretinga (Caiman crocodilus)
Também conhecido como jacaré-de-óculos devido à crista óssea entre seus olhos que parece a estrutura de um óculos. Jacaretinga deriva do tupi, em que “tinga” significa “branco”, provavelmente por alguns indivíduos terem o dorso mais opaco. Apesar do nome, o jacaretinga consegue mudar de cor de acordo com a estação — durante estações frias, o pigmento preto de dentro de sua pele se expande, fazendo com que pareça mais escuro.
O jacaretinga tem porte médio e cresce até 2,5 m. Investigações sobre o comportamento alimentar indicam que podem adaptar sua dieta segundo a época do ano: durante a estação chuvosa, consome preferencialmente caracóis e caranguejos -de-água-doce; já na estação seca, alimenta-se principalmente de peixes .
O jacaretinga pode usar até nove tipos diferentes de vocalizações e 13 exibições visuais para se comunicar com indivíduos de seu grupo, como chamados de alerta, de socorro (usado pelos filhotes) e para ajuntamento do grupo. Os machos também se comunicam por movimentos da cauda e vibrações de baixa frequência, com vibrações fortes o bastante para movimentar a água.
As fêmeas criam os seus filhotes e os de várias outras, formando pequenas “creches”. Os filhotes de jacaretinga são os que levam mais tempo para se tornar independentes, precisando dos cuidados da mãe por até 18 meses.
As populações adultas desta espécie são estimadas em milhões e são, portanto, estáveis. Devido à sua facilidade em se adaptar e a sua grande distribuição, a redução de habitat não afeta a espécie de forma significante. Também é tolerante à caça, pois seu couro não tem tanto valor comercial. Além disso, os caçadores geralmente preferem os machos grandes, o que reduz parcialmente os riscos da caça. O jacaretinga também acaba sendo beneficiado pela caça de espécies competitivas que vivem no mesmo habitat, conseguindo alimento que seria normalmente perdido para outras espécies.
Jacaré-do-pantanal (Caiman yacare)
Costuma alcançar os 2 m, mas exemplares maiores já foram encontrados. Nos adultos, o dorso costuma ser escuro, com faixas transversais amarelas nas pernas, mandíbula inferior e cauda. Alguns dos dentes do maxilar inferior podem perfurar os orifícios do maxilar superior, e por causa disso também é conhecido como “jacaré-piranha”, no entanto, essa característica não é incomum em outras espécies de jacarés, particularmente em indivíduos mais velhos.
Se alimenta de caracóis crustáceos e peixes — sendo o principal predador das piranhas . Se necessário, pode ocasionalmente predar outros répteis](/repteis) e pequenos mamíferos . Assim como o jacaretinga e o jacaré-de-papo-amarelo, também usa movimentos e fortes vibrações para se com outros membros. É assim que conseguem mostrar dominância e chamar a atenção das fêmeas.
As fêmeas costumam acasalar com mais de um macho, isso faz com que sua prole seja maior e aumente a taxa de sobrevivência já que os filhotes já nascem independentes e recebem pouca ajuda dos pais – o que os deixa mais vulneráveis à predação. É uma das espécies mais populosas do continente. Somente no Pantanal estima-se que existam 35 milhões de jacarés, com 150 animais por km², sendo a maior concentração de répteis do planeta.
Jacaré-coroa (Paleosuchus trigonatus)
Também conhecido como caimão-de-cara-lisa, jacaré-curuá e jacaré-pedra. É encontrado em pequenos riachos, em águas abertas e perto de cachoeiras no interior da floresta Amazônica. É o segundo menor jacaré do mundo, com os machos alcançando apenas 1,7 m — no entanto, o maior indivíduo já encontrado tinha 2,6 m.
Sua alimentação se baseia em pequenos répteis , pássaros e mamíferos , consumindo poucos peixes ou moluscos.
Os jacarés-coroa possuem grandes e afiados escudos triangulares parte de trás do pescoço e da cauda, e tendem a andar com a cabeça erguida e com o pescoço inclinado para cima para ajudar na defesa. Além disso, sua cauda é tão bem blindada que é praticamente inflexível.
Passam o dia escondidos em tocas submarinas ou distantes até 100 m da água; cobertos sob a vegetação densa, sob árvores caídas ou dentro de troncos ocos. À noite, saem para patrulhar seus territórios ao longo dos cursos d’água e se alimentar.
O período de incubação é de cerca de 115 dias (a mais longa dentre todos os jacarés) e a fêmea permanece perto do ninho pelo menos na parte inicial desse tempo, fornecendo proteção contra predadores. Quando os ovos eclodem, transporta-os para um berçário e cuida deles por apenas algumas semanas; em seguida, os filhotes se dispersam.
As principais ameaças a esta espécie são a destruição de seu habitat e a poluição de seu ambiente pela mineração de ouro. Sua pele contém muitos escudos ósseos que a torna pouco útil para o couro, e não costuma ser caçado por sua carne.
Até o momento, não há estudos que avaliam suas populações, principalmente pelo difícil acesso aos seus habitats. Mas se acredita que a espécie não sofra grande redução populacional no país, sendo estimado que haja cerca de um milhão de indivíduos na natureza. A espécie está classificada pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas (IUCN) como sendo pouco preocupante.
Jacaré-anão (Paleosuchus palpebrosus)
O jacaré-anão, jacaré-paguá ou jacaré-mirim é o menor jacaré do mundo, alcançando apenas 1,5 m. Mas seu tamanho reduzido é parcialmente compensado por sua forte armadura, que fornece proteção contra predadores.
Vive em florestas ribeirinhas ou inundadas, perto de lagos e rios. Assim como o jacaré-coroa, frequenta córregos de fluxo rápido e tolera águas mais frias do que outras espécies. São noturnos e solitários. Os adultos são generalistas, e se alimentam de peixes , anfíbios , pequenos mamíferos , aves , caranguejos, camarões , moluscos e outros invertebrados que capturam na água ou em terra.
Os recém-nascidos têm uma camada de muco, que os mantém úmidos. Até que o muco seque, os filhotes não têm necessidade de entrar na água. A fêmea fica com os filhotes apenas por algumas semanas, em seguida, os filhotes se tornam independentes e se dispersam.
Muitos jacarés são caçados por suas peles, mas esse não é o caso do jacaré-anão. Sua pele é muito blindada e dificulta o curtimento. Por outro lado, a mineração de ouro pode ser uma ameaça. Embora seus números populacionais sejam desconhecidos, parecem ser abundantes em muitas das localidades em que se encontram. Na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas (IUCN) o jacaré-anão consta como de menor preocupação, já que sua área de distribuição é extensa e cobre grande parte do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.
Reprodução
Quando se trata de reprodução, os jacarés têm muito em comum: primeiramente, para todos eles, o período reprodutivo costuma acontecer durante o verão, quando a chuva aumenta o nível da água. Além disso, ao botar os ovos, as fêmeas das diversas espécies sempre ficam por perto vigiando seus ninhos para protegê-los de aves , mamíferos e répteis que queiram comê-los. A temperatura do ambiente é também fator comum que define quantas fêmeas e machos nascerão e precisa ser sempre controlada pelas fêmeas.
Os ovos eclodem, em média, aos 90 dias. Está bem documentado que (como acontece com muitas outras espécies) quando os filhotes nascem, as mães os retiram do ninho e os transportam para uma piscina segura usando a boca — por isso há a crença de que comem seus filhotes. Os filhotes se alimentam principalmente de insetos e pequenos invertebrados. Conforme crescem, capturam presas cada vez maiores.
Ameaças e conservação
No último século, muitas populações de jacarés foram reduzidas ou quase extintas devido à caça para obtenção do couro e carne — nos anos 50 cerca de 1.200.000 jacarés-açus eram mortos anualmente. Entre 1950 e 1965, mais de 7,5 milhões de peles foram exportadas só do estado do Amazonas.
Com o surgimento da lei de proteção à fauna brasileira em 1967, a caça foi reduzida. Graças a vários programas de conservação criados em toda a América do Sul, os jacarés conseguiram se recuperar e são atualmente considerados abundantes, havendo pouca preocupação sobre sua extinção.
Ainda assim, o Amazonas é o maior produtor ilegal de carne de jacarés do mundo. Jacarés-açus ainda são caçados por moradores regionais para serem usado como isca para a pesca de piracatinga. Além disso, estima-se que, apenas em 2005, 50 toneladas de carne de jacaré tenham sido vendidas — o que corresponde a cerca de 5 mil indivíduos.
Já a carne do jacaré-de-papo-amarelo muitas vezes é vendida no Nordeste em mercados locais de pequenas cidades ao longo da bacia do rio São Francisco, como carne de “bacalhau do São Francisco”. Não obstante, a criação de represas e o desmatamento também podem afetar a conservação desses animais.
A importância desses grandes predadores para a estabilidade e funcionamento dos ecossistemas é bem reconhecida. Dada a sua longa história evolutiva, não há dúvidas de que os jacarés e crocodilos têm influenciado a evolução e ecologia de outras formas de vida e do seu ambiente há mais de 200 milhões de anos.
Sendo assim, sua conservação depende de proporcionarmos incentivos para a manutenção de suas populações e seu habitat, da disposição para aceitar práticas de manejo que permitam a coexistência entre humanos e jacarés, do desenvolvimento de pesquisas, e da conscientização ambiental.
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